20 anos sem Muro de Berlim
Faz hoje exactamente 20 anos, a queda do Muro De Berlim foi a face visível da Perestroika, do fim da Guerra Fria e da divisão do mundo em dois blocos.
Dos autocarros turísticos, a cidade vê-se sépia - e é como estar no set de um episódio de "Conta-me como Foi". Berlim, que hoje lembra vinte anos sobre a queda do muro, é uma cidade postal. Quando se olha de longe, parece uma imagem de arquivo. De perto, tem tudo bem arquivado: nós assim, eles de outra maneira. Vinte anos depois, a memória descreve uma cidade partida em duas. Dois universos. E duas maneiras de olhar para um muro.
É que mesmo com arame farpado à porta de casa, há uma diferença grande entre viver dentro dos limites e viver limitado. Durante os 28 anos que o muro durou, quem vivia no lado ocidental podia ir à janela ver os seus limites, mas não tinha de se sentir limitado. Porque a cidade estava dividida, mas "só quem morava na parte Leste estava realmente impedido de viajar. Porque era isso que lhes diziam: vocês só não podem viajar", conta Maria de Lurdes Carvalho, 51 anos, com um nome português que não engana e uma vida que não a deixa enganar-se - já é tão de Berlim como os que ali nasceram, apesar de hoje lhes cantar fado, com o Trio Fado.
Aquilo que Berlim ocidental tinha de melhor, diz, era mesmo uma sensação de ilha. "Havia muita cultura aqui deste lado. Berlim recebia dinheiro da Alemanha Ocidental e vivíamos muito bem, havia trabalho, havia cultura, havia tudo. Para a Alemanha era importante que Berlim não desistisse e isso dava-nos a possibilidade de vivermos até melhor do que hoje", diz. Ela que chegou a Berlim em 82, depois de breves passagens por Londres e Paris, não foi uma emigrante típica (de resto, em Berlim não havia indústria, logo, antes da queda do muro praticamente não havia portugueses na cidade). Sem trabalho certo, fez de tudo, mas de tudo o que tivesse a ver com cultura. Apesar de ter vivido sempre no lado ocidental, trabalhou muitos anos com aquele que viria a realizar um dos mais emblemáticos filmes sobre o muro e a sua queda vistos do lado Leste, "Good Bye, Lenin", Wolfgang Becker.
Mas se hoje é claro como a vodka que a cena artística vive no lado Leste, na altura o lado ocidental já suspeitava disso. "Sabíamos que havia noites de ópera lá, por exemplo, e às vezes íamos mesmo lá ao teatro. Eles tinham óptimos actores do lado de lá. Claro que os textos eram..." Eram, claro. "Mas ao mesmo tempo que eles tinham essas limitações, sabíamos, por exemplo, que eram mais livres no plano sexual." Livres, como? "O nudismo começou mais rapidamente lá que aqui. E as mulheres eram mais livres em termos sexuais, tinham menos tabus." A percepção, que Maria foi construindo à medida que o muro foi sendo destruído, confirmou-se depois, mais tarde, quando também os berlinenses de Leste puderam visitá-la na parte ocidental. "E quando chegaram eram olhados de outra maneira. Aquelas histórias de que eles nunca comiam bananas, que não podiam comprar algumas coisas, como Coca-Cola, tudo isso foi aproveitado para os gozar."
No lado ocidental, a vida era simples. "A verdade é que não nos lembrávamos muitas vezes do muro. Tanto que quando ele caiu às vezes passava por zonas onde sabia que ele tinha existido e pensava: "Aqui era o muro, claro.". Sei que para alguns alemães com quem me relacionava não era tão fácil. Alguns ficaram separados da família. Mas tenho um amigo, por exemplo, cuja avó ficou no lado Leste e quando teve a oportunidade de regressar [depois dos 65 anos, qualquer cidadão podia regressar à zona ocidental] não quis. Preferiu ficar lá."
Fonte: Económico
Dos autocarros turísticos, a cidade vê-se sépia - e é como estar no set de um episódio de "Conta-me como Foi". Berlim, que hoje lembra vinte anos sobre a queda do muro, é uma cidade postal. Quando se olha de longe, parece uma imagem de arquivo. De perto, tem tudo bem arquivado: nós assim, eles de outra maneira. Vinte anos depois, a memória descreve uma cidade partida em duas. Dois universos. E duas maneiras de olhar para um muro.
É que mesmo com arame farpado à porta de casa, há uma diferença grande entre viver dentro dos limites e viver limitado. Durante os 28 anos que o muro durou, quem vivia no lado ocidental podia ir à janela ver os seus limites, mas não tinha de se sentir limitado. Porque a cidade estava dividida, mas "só quem morava na parte Leste estava realmente impedido de viajar. Porque era isso que lhes diziam: vocês só não podem viajar", conta Maria de Lurdes Carvalho, 51 anos, com um nome português que não engana e uma vida que não a deixa enganar-se - já é tão de Berlim como os que ali nasceram, apesar de hoje lhes cantar fado, com o Trio Fado.
Aquilo que Berlim ocidental tinha de melhor, diz, era mesmo uma sensação de ilha. "Havia muita cultura aqui deste lado. Berlim recebia dinheiro da Alemanha Ocidental e vivíamos muito bem, havia trabalho, havia cultura, havia tudo. Para a Alemanha era importante que Berlim não desistisse e isso dava-nos a possibilidade de vivermos até melhor do que hoje", diz. Ela que chegou a Berlim em 82, depois de breves passagens por Londres e Paris, não foi uma emigrante típica (de resto, em Berlim não havia indústria, logo, antes da queda do muro praticamente não havia portugueses na cidade). Sem trabalho certo, fez de tudo, mas de tudo o que tivesse a ver com cultura. Apesar de ter vivido sempre no lado ocidental, trabalhou muitos anos com aquele que viria a realizar um dos mais emblemáticos filmes sobre o muro e a sua queda vistos do lado Leste, "Good Bye, Lenin", Wolfgang Becker.
Mas se hoje é claro como a vodka que a cena artística vive no lado Leste, na altura o lado ocidental já suspeitava disso. "Sabíamos que havia noites de ópera lá, por exemplo, e às vezes íamos mesmo lá ao teatro. Eles tinham óptimos actores do lado de lá. Claro que os textos eram..." Eram, claro. "Mas ao mesmo tempo que eles tinham essas limitações, sabíamos, por exemplo, que eram mais livres no plano sexual." Livres, como? "O nudismo começou mais rapidamente lá que aqui. E as mulheres eram mais livres em termos sexuais, tinham menos tabus." A percepção, que Maria foi construindo à medida que o muro foi sendo destruído, confirmou-se depois, mais tarde, quando também os berlinenses de Leste puderam visitá-la na parte ocidental. "E quando chegaram eram olhados de outra maneira. Aquelas histórias de que eles nunca comiam bananas, que não podiam comprar algumas coisas, como Coca-Cola, tudo isso foi aproveitado para os gozar."
No lado ocidental, a vida era simples. "A verdade é que não nos lembrávamos muitas vezes do muro. Tanto que quando ele caiu às vezes passava por zonas onde sabia que ele tinha existido e pensava: "Aqui era o muro, claro.". Sei que para alguns alemães com quem me relacionava não era tão fácil. Alguns ficaram separados da família. Mas tenho um amigo, por exemplo, cuja avó ficou no lado Leste e quando teve a oportunidade de regressar [depois dos 65 anos, qualquer cidadão podia regressar à zona ocidental] não quis. Preferiu ficar lá."
Fonte: Económico