Haiti: a pior crise humanitária
A situação no Haiti é "a pior crise humanitária das últimas décadas", disse ontem o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, apelando à comunidade internacional para "não desperdiçar um único dólar" na ajuda aos milhões de pessoas que perderam tudo no tremor de terra de terça-feira. "Os prejuízos, a destruição e a perda de vidas são simplesmente esmagadores."
Em Port au Prince, Ban Ki-moon encontrou-se com a "número dois" do Governo espanhol, María Teresa Fernández de la Vega, e propôs-lhe que a União Europeia organize uma missão especial sob a égide da ONU para realizar tarefas de socorro e distribuição de ajuda. Espanha ocupa a presidência da UE, que hoje terá uma reunião dos ministros da Ajuda e Desenvolvimento onde será decidido desbloquear 100 milhões de euros para a reconstrução do Haiti. Até agora, Bruxelas já desbloqueou 20 a 30 milhões.
A Organização Mundial de Saúde e a Cruz Vermelha estimam que o terramoto tenha causado entre 45 mil e 50 mil mortos. As autoridades haitianas apontam um número mais elevado, acima dos cem mil mortos. O comandante das forças especiais americanas no terreno alertou para a "hipótese" de o número total de vítimas chegar às 200 mil. Três milhões de pessoas terão ficado desalojadas.
Ban sobrevoou Port au Prince e esteve no terreno, dirigindo-se ao quartel-general da missão de estabilização da ONU, um edifício de cinco andares que ruiu completamente. Os corpos dos dois principais responsáveis, o tunisino Hedi Annabi e o brasileiro Luiz Carlos da Costa, foram recuperados na noite de sábado. Também o comissário que dirigia as forças policiais, Doug Coates, do Canadá, foi encontrado sem vida. "O seu desejo, estou certo, seria que todos prosseguíssemos com o trabalho nobre que eles tão bem desempenhavam", disse Ban.
Apesar da tragédia que se abateu sobre o seu próprio pessoal, os funcionários das Nações Unidas recusavam-se a deixar de acreditar que ainda era possível encontrar sobreviventes nos destroços da capital, mesmo cinco dias depois do abalo. "O moral das equipas de salvamento continua muito elevado, apesar de todas as dificuldades. Continuam a trabalhar incessantemente, porque ainda há muitas vidas para ser salvas e têm vindo a recuperar muitas pessoas. Ainda não perdemos a esperança de encontrar mais sobreviventes", referiu a porta-voz do Gabinete de Coordenação de Acção Humanitária, Elisabeth Byrs. "As condições são favoráveis porque a forma como as construções ruíram permitiu deixar lugares vazios onde as vítimas podem estar refugiadas."
Mais vidas salvas
Horas depois destas declarações, chegava a boa notícia: um dinamarquês da missão da ONU foi retirado com vida dos escombros.
No sábado, as equipas de emergência estavam a obter mais sucesso do que na véspera, e conseguiram resgatar mais de cem pessoas com vida, incluindo várias crianças. Cerca de 60 por cento da cidade já foi vistoriada pelos 43 grupos especializados na resposta a situações de catástrofe que chegaram a Port au Prince. São mais de 1700 trabalhadores, que dispõem de equipamento sofisticado para detectar a existência de vida, bem como de maquinaria pesada para proceder à remoção dos sobreviventes.
Os esforços estendiam-se agora às povoações de Leogane e Carrefour, grandes subúrbios da capital que se encontravam isolados por causa dos danos nas estradas. As agências internacionais calculavam que 80 a 90 por cento das construções de Leogane estivessem em ruínas e que mais de dez mil vítimas pudessem ainda estar enterradas no entulho.
A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, também já viu, em primeira mão, o grau de devastação causada pelo violento sismo, de magnitude sete na escala de Richter, no país mais pobre do hemisfério ocidental. Clinton esteve reunida com o primeiro-ministro Jean-Max Bellerive e o Presidente René Préval, que está provisoriamente alojado no aeroporto depois do colapso do Palácio Presidencial e da sua residência.
O Governo assinou um protocolo de cedência temporária do controlo do aeroporto aos EUA. Clinton garantiu que o seu país não pouparia esforços nem recursos na ajuda de emergência às vítimas e no apoio à reconstrução. "Estamos aqui a pedido do Governo, e vamos continuar aqui amanhã e nas próximas semanas e meses", prometeu a chefe da diplomacia. Um navio-hospital, com mais de 500 médicos e enfermeiros, deve atracar na terça-feira. Hoje já estarão 10 mil soldados dos EUA em Port au Prince e o Presidente Barack Obama ordenou a mobilização de reservistas.
No fim-de-semana, milhares de sobreviventes começaram a abandonar Port au Prince em direcção ao interior norte do país e à República Dominicana. Na zona do aeroporto concentravam-se muitos estrangeiros à espera de uma oportunidade para sair do país.
Gangues e milícias
Na cidade, a ajuda humanitária começava a chegar com a distribuição de água, comida, medicamentos e roupa. Os capacetes azuis da ONU, que já antes do terramoto eram responsáveis pela segurança do país, tentavam garantir que a distribuição decorria sem incidentes. Mas não conseguiam evitar o caos: as pessoas amontoavam-se e lutavam pelo acesso aos mantimentos, empurrando os mais pequenos e fracos para o fim das filas de distribuição. Dois voluntários dominicanos foram atingidos por tiros quando distribuíam biscoitos de alta energia.
As tropas no terreno sentiam idênticas dificuldades em controlar a actividade de dezenas de gangues armados que circulavam pelos campos de refugiados, roubando e ameaçando a desprotegida população.
Nalguns bairros organizaram-se milícias para combater os bandidos - um repórter da agência Reuters viu o corpo queimado de um homem apanhado a roubar os desalojados e dois outros homens com os braços amarrados atrás das costas e ferimentos de bala na cabeça, atirados para o chão. "As pessoas têm de praticar a justiça pelas suas próprias mãos. Não há cadeias, os criminosos andam por aí à solta e não há autoridades que possam controlar a violência", comentava Eddy Toussaint, um professor que se encontrava com um grupo de homens a vigiar os corpos.
Fonte: Público
Em Port au Prince, Ban Ki-moon encontrou-se com a "número dois" do Governo espanhol, María Teresa Fernández de la Vega, e propôs-lhe que a União Europeia organize uma missão especial sob a égide da ONU para realizar tarefas de socorro e distribuição de ajuda. Espanha ocupa a presidência da UE, que hoje terá uma reunião dos ministros da Ajuda e Desenvolvimento onde será decidido desbloquear 100 milhões de euros para a reconstrução do Haiti. Até agora, Bruxelas já desbloqueou 20 a 30 milhões.
A Organização Mundial de Saúde e a Cruz Vermelha estimam que o terramoto tenha causado entre 45 mil e 50 mil mortos. As autoridades haitianas apontam um número mais elevado, acima dos cem mil mortos. O comandante das forças especiais americanas no terreno alertou para a "hipótese" de o número total de vítimas chegar às 200 mil. Três milhões de pessoas terão ficado desalojadas.
Ban sobrevoou Port au Prince e esteve no terreno, dirigindo-se ao quartel-general da missão de estabilização da ONU, um edifício de cinco andares que ruiu completamente. Os corpos dos dois principais responsáveis, o tunisino Hedi Annabi e o brasileiro Luiz Carlos da Costa, foram recuperados na noite de sábado. Também o comissário que dirigia as forças policiais, Doug Coates, do Canadá, foi encontrado sem vida. "O seu desejo, estou certo, seria que todos prosseguíssemos com o trabalho nobre que eles tão bem desempenhavam", disse Ban.
Apesar da tragédia que se abateu sobre o seu próprio pessoal, os funcionários das Nações Unidas recusavam-se a deixar de acreditar que ainda era possível encontrar sobreviventes nos destroços da capital, mesmo cinco dias depois do abalo. "O moral das equipas de salvamento continua muito elevado, apesar de todas as dificuldades. Continuam a trabalhar incessantemente, porque ainda há muitas vidas para ser salvas e têm vindo a recuperar muitas pessoas. Ainda não perdemos a esperança de encontrar mais sobreviventes", referiu a porta-voz do Gabinete de Coordenação de Acção Humanitária, Elisabeth Byrs. "As condições são favoráveis porque a forma como as construções ruíram permitiu deixar lugares vazios onde as vítimas podem estar refugiadas."
Mais vidas salvas
Horas depois destas declarações, chegava a boa notícia: um dinamarquês da missão da ONU foi retirado com vida dos escombros.
No sábado, as equipas de emergência estavam a obter mais sucesso do que na véspera, e conseguiram resgatar mais de cem pessoas com vida, incluindo várias crianças. Cerca de 60 por cento da cidade já foi vistoriada pelos 43 grupos especializados na resposta a situações de catástrofe que chegaram a Port au Prince. São mais de 1700 trabalhadores, que dispõem de equipamento sofisticado para detectar a existência de vida, bem como de maquinaria pesada para proceder à remoção dos sobreviventes.
Os esforços estendiam-se agora às povoações de Leogane e Carrefour, grandes subúrbios da capital que se encontravam isolados por causa dos danos nas estradas. As agências internacionais calculavam que 80 a 90 por cento das construções de Leogane estivessem em ruínas e que mais de dez mil vítimas pudessem ainda estar enterradas no entulho.
A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, também já viu, em primeira mão, o grau de devastação causada pelo violento sismo, de magnitude sete na escala de Richter, no país mais pobre do hemisfério ocidental. Clinton esteve reunida com o primeiro-ministro Jean-Max Bellerive e o Presidente René Préval, que está provisoriamente alojado no aeroporto depois do colapso do Palácio Presidencial e da sua residência.
O Governo assinou um protocolo de cedência temporária do controlo do aeroporto aos EUA. Clinton garantiu que o seu país não pouparia esforços nem recursos na ajuda de emergência às vítimas e no apoio à reconstrução. "Estamos aqui a pedido do Governo, e vamos continuar aqui amanhã e nas próximas semanas e meses", prometeu a chefe da diplomacia. Um navio-hospital, com mais de 500 médicos e enfermeiros, deve atracar na terça-feira. Hoje já estarão 10 mil soldados dos EUA em Port au Prince e o Presidente Barack Obama ordenou a mobilização de reservistas.
No fim-de-semana, milhares de sobreviventes começaram a abandonar Port au Prince em direcção ao interior norte do país e à República Dominicana. Na zona do aeroporto concentravam-se muitos estrangeiros à espera de uma oportunidade para sair do país.
Gangues e milícias
Na cidade, a ajuda humanitária começava a chegar com a distribuição de água, comida, medicamentos e roupa. Os capacetes azuis da ONU, que já antes do terramoto eram responsáveis pela segurança do país, tentavam garantir que a distribuição decorria sem incidentes. Mas não conseguiam evitar o caos: as pessoas amontoavam-se e lutavam pelo acesso aos mantimentos, empurrando os mais pequenos e fracos para o fim das filas de distribuição. Dois voluntários dominicanos foram atingidos por tiros quando distribuíam biscoitos de alta energia.
As tropas no terreno sentiam idênticas dificuldades em controlar a actividade de dezenas de gangues armados que circulavam pelos campos de refugiados, roubando e ameaçando a desprotegida população.
Nalguns bairros organizaram-se milícias para combater os bandidos - um repórter da agência Reuters viu o corpo queimado de um homem apanhado a roubar os desalojados e dois outros homens com os braços amarrados atrás das costas e ferimentos de bala na cabeça, atirados para o chão. "As pessoas têm de praticar a justiça pelas suas próprias mãos. Não há cadeias, os criminosos andam por aí à solta e não há autoridades que possam controlar a violência", comentava Eddy Toussaint, um professor que se encontrava com um grupo de homens a vigiar os corpos.
Fonte: Público