Iraque vive momento decisivo


As poucas sondagens não antecipam uma enchente hoje nas urnas, mas desde quarta-feira que em Bagdad o ambiente é quase de festa. Quatro dias de feriado, gente nas ruas, lojas e mercados abertos, carros parados, um ou outro comício. Alguns ataques junto a mesas de voto, mas poucos. Muitos cartazes nas paredes e candidatos a distribuírem de tudo, de panfletos a frangos congelados. A vida parece normal depois dos anos em que ninguém sabia já o que era normalidade.

"Para o Iraque, é um momento muito decisivo. É o mais decisivo desde 2003, da invasão que virou o país de pernas para o ar", disse o representante do secretário-geral da ONU para o Iraque, Ad Melkert. Esta, acrescenta, "é a oportunidade, no contexto da retirada das tropas americanas nos próximos anos, para os iraquianos definirem realmente o caminho que vão seguir, o seu próprio destino".

Se o Iraque vai finalmente ser dos iraquianos - até Agosto deverão sair do país 50 mil americanos, permanecendo outros 50 mil, em equipas de apoio e aconselhamento -, estas são já as primeiras eleições quase só deles. A organização coube à Comissão Eleitoral e o processo foi apoiado pela missão da ONU. Desde quarta-feira que votam os iraquianos no estrangeiro, em 16 países. Hoje estarão abertas 50 mil mesas de voto e há quase 20 milhões de eleitores inscritos.

São, então, as eleições do tudo ou nada. Se correrem bem e abrirem caminho a um país menos partido entre grupos religiosos e sectários, o país que já foi de Saddam Hussein pode mesmo tornar-se na primeira democracia do mundo árabe. Mas ainda é com muitos medos - já não tanto de explosões - que os iraquianos vão votar.

O Irão e a religião

Amal Jalabi, uma sunita de 39 anos que trabalhou sete anos no Ministério da Agricultura, já votou em Amã, para onde fugiu depois da invasão de 2003. Votou com medo dos xiitas religiosos e do Irão e por isso escolheu o xiita secular Iyad Allawi, que foi primeiro-ministro seis meses, nos tempos do procônsul americano Paul Bremer. "É um líder secular e a sua lista inclui iraquianos de todas as seitas. Ele vai ser capaz de ultrapassar a divisão confessional e de restaurar a paz e a segurança", disse Janabi à Associated Press.

Allawi é a esperança de muitos dos pelo menos dois milhões que fugiram do seu país nos últimos anos. Muitos são sunitas que fugiram para não serem mortos pelas milícias xiitas entre 2004 e 2007. Com outros medos votarão, se votarem, os 1,6 milhões que ainda são deslocados dentro do Iraque, vítimas da violência, obcecados com a segurança e sem oportunidades de trabalho. "Uma população à espera de ser recrutada por insurrectos e milícias", escreve Rachel Schneller, do Council on Foreign Relations.

O primeiro-ministro, Nouri al-Maliki, acredita que vai continuar a governar. Allawi é a mais séria ameaça. Não por ser xiita, mas por ser líder da tal candidatura com "iraquianos de todas as seitas": o vice-presidente Tariq al-Hashimi é o nome principal, numa lista que chegou a incluir um dos sunitas mais respeitados na comunidade, o deputado Saleh al-Mutlaq. Foi impedido de se apresentar pelo comité que expulsou candidatos com um passado alegadamente ligado ao Partido Baas, de Saddam.

Se o comité de desbaasificação, liderado pelo ex-favorito dos EUA, e entretanto considerado por estes o homem do Irão, Ahmed Chalabi, tivesse sido rigoroso, Allawi também não poderia concorrer. Afinal, começou por ser baasista convicto. Depois Saddam tentou matá-lo e ele passou a trabalhar para a CIA.

"Não há diferença entre um curdo, um árabe, um turcomano. Não há diferença entre um muçulmano ou um não muçulmano. Não há diferença entre um sunita ou um xiita", disse Allawi num comício em Bagdad.





Fonte: Público

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