David Cameron procura coligação improvável


As "eleições mais importantes de uma geração" deixaram o Reino Unido em suspenso. Pela primeira vez em 36 anos, os britânicos acordaram da noite eleitoral sem saber quem será o próximo primeiro-ministro e os analistas acreditam que o desfecho mais provável será a realização de novas eleições no prazo de um ano. Sem maioria absoluta, David Cameron propôs ontem um acordo a Nick Clegg, que, apesar do resultado decepcionante para os liberais-democratas, está agora na posição de "fazedor de reis".

"Os eleitores britânicos falaram, mas as palavras saíram engasgadas", escreveu Simon Jenkins na edição on-line do Guardian, quando era já certo que os conservadores tinham ficado aquém dos 326 deputados necessários para controlar a Câmara dos Comuns.

Os resultados finais - divulgados a meio da tarde de ontem, após a recontagem pedida em alguns círculos - deram aos tories 306 lugares, mais 97 do que nas últimas legislativas e a uma confortável distância dos trabalhistas (258). Não foi a vitória que Cameron ambicionava, mas, como ele próprio deixou claro, foi o "maior aumento de deputados conseguido pelo partido em 80 anos", superior ao que em 1979 levou Margaret Thatcher ao poder.

Apesar de o desfecho ser previsível, jornalistas e comentadores não escondiam ontem algum desconcerto com a situação, que o país não vivia desde 1974. E o cenário tornou-se ainda mais incerto depois de o primeiro-ministro, Gordon Brown, ter regressado pela manhã a Downing Street. Um gesto simbólico que reforçava aquilo que os principais dirigentes trabalhistas repetiram durante a noite eleitoral: à falta de uma maioria absoluta de qualquer dos partidos, o primeiro-ministro deveria manter-se em funções e procurar formar um "Governo estável".

"Esta foi uma eleição caótica, com um resultado caótico", resumiu ao PÚBLICO Jonathan Tonge, professor de Ciência Política da Universidade de Liverpool, acrescentando que, "à falta de um claro vencedor, os políticos britânicos terão de fazer algo a que não estão habituados - um acordo com os partidos adversários".

As atenções viraram-se por isso para Nick Clegg, o líder dos lib-dem, que ontem de manhã "admitiu estar decepcionado" com os resultados. O protagonismo conseguido com os debates na televisão e o entusiasmo dos seus comícios valeram aos liberais-democratas mais algumas dezenas de milhares de votos, só que "o partido caiu novamente na emboscada do voto útil" que toma conta da política britânica "sempre que há eleições renhidas", explicou Tonge.

Entendimento difícil

Mas o sabor amargo da decepção - os centristas perderam cinco dos 62 deputados que tinham em Westminster - depressa se tornou menos importante do que o novo papel que lhes é atribuído por um Parlamento dividido. Um protagonismo que ficou claro quando Clegg, de regresso a Londres, reafirmou que a prioridade na formação do Governo deveria ser dada ao partido "que ganhou mais votos e elegeu mais deputados". "É por isso que eu penso que cabe agora aos conservadores mostrarem que são capazes de governar em nome do interesse nacional", anunciou.

Pouco depois de Clegg ter mostrado as suas cartas, Cameron abriu também o jogo. Numa declaração lida à imprensa, admitiu liderar um executivo minoritário, mas disse que os problemas económicos do país aconselham um "Governo mais forte e estável" e convidou os centristas a juntarem-se aos conservadores.

Não falou abertamente numa coligação, mas sublinhou que os "programas dos dois partidos têm muitas áreas onde é possível chegar a acordo" e, numa demonstração de abertura, admitiu discutir a reforma do sistema eleitoral britânico - o trunfo que os lib-dem procuram há décadas para mudar um sistema eleitoral que prejudica os partidos mais pequenos.

Depois de uma primeira conversa ao telefone, Cameron e Clegg anunciaram ontem à tarde ter chegado a acordo para "continuar a discutir os planos para uma reforma política e económica". Mas, apesar da pressa colocada nas negociações pelos conservadores - preocupados com a possibilidade de os mercados reabrirem segunda-feira ainda sem Governo formado -, os lib-dem só devem dar uma resposta oficial depois da reunião do novo grupo parlamentar, prevista para hoje.

Mas se a hipótese de uma coligação agrada à City, receosa de que um executivo minoritário seja incapaz de tomar as medidas necessárias para reduzir o défice, o acordo pode ser difícil de vender aos centristas, tradicionalmente mais próximos do Labour.

E as palavras de compromisso ouvidas ontem não convencem os analistas, tendo em conta a distância que separa os dois partidos, seja sobre a União Europeia ou a imigração (dois temas que Cameron excluiu ontem das negociações) seja sobre a reforma eleitoral.

Tonge admite que Cameron aceite referendar a questão, desde que não esteja em causa um sistema proporcional - "isso significaria que o partido dificilmente poderia voltar a governar sozinho e isso é intolerável para os tories". Simon Lee, professor de Política da Universidade de Hull, notou também que o líder conservador prometeu apenas a criação de "uma comissão interpartidária" para estudar o assunto. "Ou Clegg desiste da reforma constitucional com que se apresentou a estas eleições ou não haverá coligação ou acordo", disse à Reuters.

Essa é a esperança que mantém Gordon Brown em Downing Street. O ainda primeiro-ministro disse "respeitar a decisão de Clegg" e adiantou que os adversários devem ter o "tempo necessário" para negociarem. Mas adiantou que, se as negociações falharem, está pronto a discutir com os lib-dem "a retoma da economia" e a "reforma eleitoral".

Juntos, os dois partidos têm mais deputados do que os conservadores, mas ainda insuficientes para a maioria absoluta, o que os obrigaria a procurar alianças com as formações mais pequenas. Tonge descarta, por isso, um acordo: "Politicamente seria mais fácil, mas para os eleitores seria sempre uma coligação de perdedores".

Cenários que tornam mais provável a realização de novas eleições a breve prazo. "Qualquer Governo que seja formado nos próximos dias não será capaz de formar uma maioria estável nos Comuns. Por isso é provável nova eleição no Outono ou na Primavera de 2010", escreveu Peter Riddell no Times. "Tudo o resto é incerto".



Fonte: Público

POSTED BY Joana Vieira
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