PhotoEspaña 2010 arranca no Berardo
“German Faces”, da artista americana Collier Schorr, é a exposição que marca o arranque do PhotoEspaña, o festival de fotografia e artes visuais da capital espanhola, que estendeu mais uma vez até ao Museu Colecção Berardo parte da sua programação. No último ano como comissário do festival, o português Sérgio Mah escolheu trazer a Lisboa o trabalho meticuloso que Schorr tem vindo a desenvolver ao longo das últimas duas décadas na cidade alemã de Schwäbisch Gmünd, um conjunto que junta fotografia, vídeo, desenho colagem e que aborda as marcas da história e da memória nos lugares e nos gestos do quotidiano. A mostra, organizada em jeito de retrospectiva, abre amanhã ao público.
Para Mah, que fecha o seu ciclo de três anos como comissário do PhotoEspaña com o tema genérico Tempo, Collier Schorr “é uma das mais importantes artistas da actualidade”. Faz parte de uma geração “que está a fazer um trabalho muito interessante na actualização do histórico”, utilizando “de uma forma muito particular os cânones artísticos para abordar grandes questões da história”.
E uma das grandes questões da história à qual Schorr se dedicou ao longo dos últimos anos foi a II Guerra Mundial e as ressonâncias que o conflito continua a provocar na sociedade alemã. Collier Schorr (n.1963, Nova Iorque) chegou Schwäbisch Gmünd com um olhar de turista, mas à medida que se foi integrando na comunidade local quis aprofundar e problematizar “o seu quotidiano, os seus traços culturais e as suas idiossincrasias psicossociais”.
Ao longo das cinco salas que acolhem a mostra no Museu Colecção Berardo, o espectador é confrontado com imagens em diferentes suportes e dimensões que sugerem pequenas narrativas, que mostram pequenos detalhes, que apelam aos pormenores, que iludem a certeza entre o que faz parte do universo ficcional e o que faz parte do universo real. Nas palavras de Mah, a intenção é “perceber até que ponto a representação dos lugares não nos proporciona apenas uma consciência do espaço visível”, tendo em conta que os lugares “são depósitos de memórias” que articulam o passado e o presente.
Convocar o passado
Num percurso temático e formal pouco linear, Schorr (de ascendência judaica) convoca símbolos do passado nazi da Alemanha para questionar a forma como essa referência histórica ainda influencia a vida quotidiana e para perceber de que modo desperta expectativas, traumas e temores. Ao lado de retratos de rapazes fardados e com símbolos que nos ligam a um momento histórico preciso e dramático há imagens de momentos indefinidos no tempo e de objectos do quotidiano que dão referências abstractas e abrem campo à especulação e à dualidade de sentidos. Numa das imagens da série que mostra flores suspensas na paisagem por linhas, o bucolismo das diferentes cores e da claridade solarenga esconde o peso simbólico de fardas nazis e material de guerra que ali foi enterrado por um ex-militar. “Este é um lugar estigmatizado pela memória, guerra, nacionalismo, emigração e reconstrução social, ou seja, uma realidade marcada pelo seu tempo que a artista procura explorar de forma a fazer emergir os seus efeitos psíquicos e sociais”, explica Sérgio Mah no texto de apresentação da mostra.
Durante uma visita à exposição com um grupo de jornalistas na véspera da inauguração ao público, Collier explicou que não está interessada em fazer um trabalho que espelhe simplesmente “a luta do bem contra o mal”. “As minhas fotografias têm muito de comentário. O meu trabalho não é sobre tudo e mais alguma coisa. Quero que as pessoas entendam aquilo que quero dizer sobre um tema.” E para tentar concretizar essa tarefa, Collier veste a pele não só de fotógrafa, mas também de antropóloga social, psicanalista, arqueóloga e contadora de histórias.
A variedade de aproximações formais ao tema está bem espelhada na montagem final da exposição, que tanto inclui fotografias e desenhos realizados segundo as regras do documentalismo mais pragmático (os retratos fazem lembrar as séries tipológicas que August Sander realizou para a república de Weimar) como colagens resultantes de derivações ficcionais ou simples fotocópias de fotografias coladas na parede classificadas por Collier como “anotações”, como as que os escritores fazem ao lado dos textos.
Em vez de procurar a monumentalidade, os “vestígios da guerra” à larga escala, como o tema à primeira vista poderia sugerir, Collier orientou o seu discurso visual para universos ligados ao vernacular, ao bucólico, ao sexual e ao fetichista, problematizando a história, a memória colectiva e a identidade social a partir de uma escala micro, sem nunca sair dela.
A localidade de Schwäbisch Gmünd, bem como os rostos e os objectos que lhe dão forma, “compõem uma metáfora da Alemanha do pós-guerra, uma sociedade presa na sua própria história”, e que, por este trabalho, demonstra ter ainda alguns fantasmas no armário.
O restante programa do festival PhotoEspaña 2010 começa no dia 9 de Junho em Madrid e Cuenca, localidade que receberá a mostra Batalha de Sombras que reúne alguns dos autores mais representativos da produção fotográfica portuguesa dos anos 50. A maioria das exposições estará patente até ao dia 25 de Julho.
Fonte: Público
Para Mah, que fecha o seu ciclo de três anos como comissário do PhotoEspaña com o tema genérico Tempo, Collier Schorr “é uma das mais importantes artistas da actualidade”. Faz parte de uma geração “que está a fazer um trabalho muito interessante na actualização do histórico”, utilizando “de uma forma muito particular os cânones artísticos para abordar grandes questões da história”.
E uma das grandes questões da história à qual Schorr se dedicou ao longo dos últimos anos foi a II Guerra Mundial e as ressonâncias que o conflito continua a provocar na sociedade alemã. Collier Schorr (n.1963, Nova Iorque) chegou Schwäbisch Gmünd com um olhar de turista, mas à medida que se foi integrando na comunidade local quis aprofundar e problematizar “o seu quotidiano, os seus traços culturais e as suas idiossincrasias psicossociais”.
Ao longo das cinco salas que acolhem a mostra no Museu Colecção Berardo, o espectador é confrontado com imagens em diferentes suportes e dimensões que sugerem pequenas narrativas, que mostram pequenos detalhes, que apelam aos pormenores, que iludem a certeza entre o que faz parte do universo ficcional e o que faz parte do universo real. Nas palavras de Mah, a intenção é “perceber até que ponto a representação dos lugares não nos proporciona apenas uma consciência do espaço visível”, tendo em conta que os lugares “são depósitos de memórias” que articulam o passado e o presente.
Convocar o passado
Num percurso temático e formal pouco linear, Schorr (de ascendência judaica) convoca símbolos do passado nazi da Alemanha para questionar a forma como essa referência histórica ainda influencia a vida quotidiana e para perceber de que modo desperta expectativas, traumas e temores. Ao lado de retratos de rapazes fardados e com símbolos que nos ligam a um momento histórico preciso e dramático há imagens de momentos indefinidos no tempo e de objectos do quotidiano que dão referências abstractas e abrem campo à especulação e à dualidade de sentidos. Numa das imagens da série que mostra flores suspensas na paisagem por linhas, o bucolismo das diferentes cores e da claridade solarenga esconde o peso simbólico de fardas nazis e material de guerra que ali foi enterrado por um ex-militar. “Este é um lugar estigmatizado pela memória, guerra, nacionalismo, emigração e reconstrução social, ou seja, uma realidade marcada pelo seu tempo que a artista procura explorar de forma a fazer emergir os seus efeitos psíquicos e sociais”, explica Sérgio Mah no texto de apresentação da mostra.
Durante uma visita à exposição com um grupo de jornalistas na véspera da inauguração ao público, Collier explicou que não está interessada em fazer um trabalho que espelhe simplesmente “a luta do bem contra o mal”. “As minhas fotografias têm muito de comentário. O meu trabalho não é sobre tudo e mais alguma coisa. Quero que as pessoas entendam aquilo que quero dizer sobre um tema.” E para tentar concretizar essa tarefa, Collier veste a pele não só de fotógrafa, mas também de antropóloga social, psicanalista, arqueóloga e contadora de histórias.
A variedade de aproximações formais ao tema está bem espelhada na montagem final da exposição, que tanto inclui fotografias e desenhos realizados segundo as regras do documentalismo mais pragmático (os retratos fazem lembrar as séries tipológicas que August Sander realizou para a república de Weimar) como colagens resultantes de derivações ficcionais ou simples fotocópias de fotografias coladas na parede classificadas por Collier como “anotações”, como as que os escritores fazem ao lado dos textos.
Em vez de procurar a monumentalidade, os “vestígios da guerra” à larga escala, como o tema à primeira vista poderia sugerir, Collier orientou o seu discurso visual para universos ligados ao vernacular, ao bucólico, ao sexual e ao fetichista, problematizando a história, a memória colectiva e a identidade social a partir de uma escala micro, sem nunca sair dela.
A localidade de Schwäbisch Gmünd, bem como os rostos e os objectos que lhe dão forma, “compõem uma metáfora da Alemanha do pós-guerra, uma sociedade presa na sua própria história”, e que, por este trabalho, demonstra ter ainda alguns fantasmas no armário.
O restante programa do festival PhotoEspaña 2010 começa no dia 9 de Junho em Madrid e Cuenca, localidade que receberá a mostra Batalha de Sombras que reúne alguns dos autores mais representativos da produção fotográfica portuguesa dos anos 50. A maioria das exposições estará patente até ao dia 25 de Julho.
Fonte: Público