Curtas Vila do Conde abriu portas
Paradoxo 1: o Curtas Vila do Conde chega à maioridade dos 18 anos instalado no sumptuoso Teatro Municipal (nascido de uma restauração do antigo Cine-Teatro Neiva que devia ser estudada como exemplar), e propõe a sua maior programação de sempre em termos de quantidade. A edição 2010 traz nada menos de 18 estreias nacionais a concurso na selecção de curtas, para um total de 43 filmes portugueses — num momento em que, graças a nomes como o incontornável Manoel de Oliveira, Pedro Costa e João Salaviza, se fala internacionalmente do cinema português como nunca antes.
Mas como Dario Oliveira, um dos quatro programadores do certame, sublinhou na alocução de abertura, fá-lo num momento em que as ondas de choque da crise económica chegaram ao cinema e levaram o meio a erguer-se em revolta. Um momento em que nunca como hoje as águas estiveram tão divididas: entre o cinema de autor que faz o grosso da despesa do filme português e tentativas de cinema popular que têm maioritariamente esbarrado no desinteresse do público.
Dario Oliveira disse-o de um modo poucas vezes dito mas bem observado: não há um cinema português uno e indivisível, há realizadores portugueses que procuram os seus próprios caminhos de modos muito diferentes – e é por isso que “aqueles que acreditam que pode haver uma indústria de cinema em Portugal”, nas suas palavras, “andam a trocar os bês pelos vês”. É também por isso que Vila do Conde faz ponto de honra em ser, como disse à audiência que lotava a sala grande do Teatro Municipal na noite de sábado, “a casa dos projectos mais ousados”. Ou não fosse um dos homenageados desta edição a lenda do cinema experimental nova-iorquino que é Ken Jacobs.
Isso leva-nos ao paradoxo 2, ironia do acaso da programação: a “casa dos projectos ousados” abriu portas com um filme ousado que não é novo e um filme novo que é pouco ousado.
A abertura oficial coube à primeira longa dos outros homenageados da edição, os irmãos franceses Arnaud e Jean-Marie Larrieu. “Un Homme, un Vrai” é uma peculiar variação meta-textual sobre o modo da comédia romântica que faz questão de nos trocar as voltas a cada curva da narrativa, transportada por uma interpretação sublime de Mathieu Amalric no papel de um aspirante a cineasta cuja vida é virada do avesso pela sua paixão assolapada por uma executiva de um “call center”.
“Un Homme, un Vrai”, que data de 2003, antecipa o flirt com o musical que Christophe Honoré experimentaria mais tarde com “Em Paris” (2006) e “As Canções de Amor” (2007). Subverte a comédia romântica com graça e desfaçatez, e tem a frescura e a garra que falta aos filmes posteriores da dupla, cujo único filme estreado em Portugal foi o ensosso “Pintar ou Fazer Amor” (2005).
Frescura e garra é o que falta, substituídas pela segurança, em “Nowhere Boy”, estreia na longa-metragem da fotógrafa e artista multimedia britânica Sam Taylor-Wood, cuja curta “Love You More” vencera o prémio de melhor curta europeia no Curtas de 2008. Face ao “pedigree” da realizadora, esperar-se-ia outra coisa deste olhar sobre a adolescência de John Lennon, centrado na sua relação com a mãe que o abandonou e a tia que o criou.
A proverbial reconstituição de época impecável, a fotografia soberba de Seamus McGarvey, a excelência do elenco (Aaron Johnson, o puto de “Kick-Ass”, apanha na perfeição a voz e a atitude de Lennon, Anne-Marie Duff e Kristin Scott Thomas são espantosas respectivamente nos papéis da mãe da tia) não chegam para erguer o filme acima do melodrama de luxo paredes-meias com o telefilme previsível.
Fonte: Público
Mas como Dario Oliveira, um dos quatro programadores do certame, sublinhou na alocução de abertura, fá-lo num momento em que as ondas de choque da crise económica chegaram ao cinema e levaram o meio a erguer-se em revolta. Um momento em que nunca como hoje as águas estiveram tão divididas: entre o cinema de autor que faz o grosso da despesa do filme português e tentativas de cinema popular que têm maioritariamente esbarrado no desinteresse do público.
Dario Oliveira disse-o de um modo poucas vezes dito mas bem observado: não há um cinema português uno e indivisível, há realizadores portugueses que procuram os seus próprios caminhos de modos muito diferentes – e é por isso que “aqueles que acreditam que pode haver uma indústria de cinema em Portugal”, nas suas palavras, “andam a trocar os bês pelos vês”. É também por isso que Vila do Conde faz ponto de honra em ser, como disse à audiência que lotava a sala grande do Teatro Municipal na noite de sábado, “a casa dos projectos mais ousados”. Ou não fosse um dos homenageados desta edição a lenda do cinema experimental nova-iorquino que é Ken Jacobs.
Isso leva-nos ao paradoxo 2, ironia do acaso da programação: a “casa dos projectos ousados” abriu portas com um filme ousado que não é novo e um filme novo que é pouco ousado.
A abertura oficial coube à primeira longa dos outros homenageados da edição, os irmãos franceses Arnaud e Jean-Marie Larrieu. “Un Homme, un Vrai” é uma peculiar variação meta-textual sobre o modo da comédia romântica que faz questão de nos trocar as voltas a cada curva da narrativa, transportada por uma interpretação sublime de Mathieu Amalric no papel de um aspirante a cineasta cuja vida é virada do avesso pela sua paixão assolapada por uma executiva de um “call center”.
“Un Homme, un Vrai”, que data de 2003, antecipa o flirt com o musical que Christophe Honoré experimentaria mais tarde com “Em Paris” (2006) e “As Canções de Amor” (2007). Subverte a comédia romântica com graça e desfaçatez, e tem a frescura e a garra que falta aos filmes posteriores da dupla, cujo único filme estreado em Portugal foi o ensosso “Pintar ou Fazer Amor” (2005).
Frescura e garra é o que falta, substituídas pela segurança, em “Nowhere Boy”, estreia na longa-metragem da fotógrafa e artista multimedia britânica Sam Taylor-Wood, cuja curta “Love You More” vencera o prémio de melhor curta europeia no Curtas de 2008. Face ao “pedigree” da realizadora, esperar-se-ia outra coisa deste olhar sobre a adolescência de John Lennon, centrado na sua relação com a mãe que o abandonou e a tia que o criou.
A proverbial reconstituição de época impecável, a fotografia soberba de Seamus McGarvey, a excelência do elenco (Aaron Johnson, o puto de “Kick-Ass”, apanha na perfeição a voz e a atitude de Lennon, Anne-Marie Duff e Kristin Scott Thomas são espantosas respectivamente nos papéis da mãe da tia) não chegam para erguer o filme acima do melodrama de luxo paredes-meias com o telefilme previsível.
Fonte: Público