Cavaco abre conflito institucional


Às 20 horas, zero minutos e 50 segundos de ontem, terça-feira, Cavaco Silva começou a abrir um conflito institucional entre a Presidência da República e o PS, a poucos dias de ter de indigitar o mesmo primeiro-ministro para governar.


O presidente da República chamou os jornalistas ao Palácio de Belém para ouvirem (sem poderem fazer perguntas) a "leitura pessoal" que faz do apelidado "caso das escutas", que alimentou a campanha eleitoral para as legislativas de domingo passado.


Na declaração que proferiu à hora de abertura dos jornais televisivos, Cavaco Silva acusou de "manipulação" "destacadas personalidades do partido do Governo" com dois objectivos: o de "puxar o presidente para a luta político-partidária, encostando-o ao PSD"; e o de "desviar as atenções do debate eleitoral das questões que realmente preocupavam os cidadãos".


A acusação do presidente surge numa fase delicada da vida política, quando ao chefe de Estado a Constituição dá poderes para nomear o primeiro-ministro, "tendo em conta os resultados eleitorais". Terá de fazê-lo nos próximos dias (depois de ouvir os partidos) e os resultados eleitorais indicam que o partido do actual Governo foi o mais votado. A possibilidade de não ser Sócrates o primeiro-ministro indigitado existe, mas é teórica e configuraria um precedente na democracia portuguesa.


Ao longo de dez minutos, sempre com uma expressão crispada, Cavaco Silva foi revelando os seus estados de alma em relação ao caso desenrolado nos últimos meses nos jornais. Primeiro, sobre a desconfiança por parte de socialistas quanto à participação de assessores de Belém na elaboração do programa eleitoral do PSD; depois, a suspeita de fonte da Casa Civil sobre a existência de escutas na Presidência e ainda sobre a revelação do nome dessa fonte.


O Chefe de Estado, que, amiúde, sublinhou a natureza "unipessoal" do cargo para dizer que ninguém fala em seu nome, disse ser "mentira" que tenha havido participação de membros da sua Casa Civil no programa do PSD, mas foi criticando quem pretende limitar a liberdade cívica dos membros da Presidência.


A leitura pessoal, que Cavaco sublinha ser "forçado" a revelar publicamente, leva-o ainda a considerar não ser "crime alguém interrogar-se sobre a razão das declarações políticas de outrém". Isto para "ilibar" as supostas declarações de Fernando Lima sobre a eventualidade de ter sido através de escutas que os socialistas souberam o que fazem os membros da Casa Civil da Presidência. No entanto, o presidente assume que afastou o assessor para que não houvesse dúvidas de que alguém estava autorizado a falar em seu nome.


Foi já na parte final da comunicação que revelou ter ouvido ontem "várias entidades com responsabilidades na área da segurança" e que ficou a saber que existem vulnerabilidades" nos computadores da Presidência da República e que pediu "que se estudasse a forma de as reduzir". Uma diligência que fez ontem, disse, depois de ter visto publicado, há 12 dias, no "Diário de Notícias", um e-mail trocado entre dois jornalistas do "Público".


O presidente da República foi ainda ao pormenor de dizer não conhecer o assessor do primeiro-ministro, citado no tal e-mail (que disse desconhecer "totalmente" e ter "sérias dúvidas quanto à veracidade das afirmações nele contidas") como sendo um dos espiões do Governo na Presidência.


Em relação ao conhecimento da existência ou não de escutas em Belém, Cavaco nada disse explicitamente e deixou o aviso: "O Presidente da República não cede a pressões nem se deixa condicionar, seja por quem for".



Fonte: JN

POSTED BY Mari
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