Rita Redshoes com Laurinda Alves (entrevista)
Rita Redshoes: "Seria muito violento se todos me reconhecessem"
por Laurinda Alves
http://laurindaalves.blogs.sapo.pt/
Rita tem 28 anos, canta e compõe. É perfeccionista e tem personalidade forte, apesar da aparente fragilidade. Sabe que é parecida com Audrey Hepburn mas não cultiva excessivamente o estilo. Chama-se Rita Pereira e adoptou Redshoes por causa de uma letra de David Bowie, mas não só.
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Rita tem 28 anos, canta e compõe. É perfeccionista e tem personalidade forte, apesar da aparente fragilidade. Sabe que é parecida com Audrey Hepburn mas não cultiva excessivamente o estilo. Chama-se Rita Pereira e adoptou Redshoes por causa de uma letra de David Bowie, mas não só.
Tem a noção de que tem milhares de fãs que a adoram? Não, confesso que sou uma pessoa um bocadinho descentrada do impacto do meu trabalho para fora. Preocupo-me em fazer as coisas bem, mas nunca pesquiso nada sobre mim.
Porque não é suficientemente imune às críticas e elogios? Sim, também por isso. Agora já tenho uma visão mais descansada, mas quando saiu o disco (estive oito anos para me decidir a fazer este disco!) o impacto do que vinha do exterior era enorme. Hoje em dia já sosseguei muito mais comigo e sei que correu bem, mas também me canso um bocado de mim às vezes [risos].
Nesses oito anos o que funcionou como impulso e como travão?
Ainda estou a descobrir porque demorei tanto tempo. Achava que tecnicamente a minha voz ainda não estava onde eu gostaria que estivesse. Estudei canto lírico, mas depois comecei no rock e no pop e estive indecisa sobre se iria ser cantora de ópera ou de rock.
O que a fez deixar o canto lírico?
Quando estudei canto lírico percebi que havia ali uma linguagem que não me era tão familiar como a linguagem pop e comecei a sentir que aquilo era demasiado rígido porque, ainda por cima, sou muito exigente comigo. Achei que se fosse por esse caminho ia exacerbar mais esse meu lado e não queria. Precisava de uma coisa mais descontraída.
Foi só por um excesso de exigência?
Não. Também foi porque queria criar uma nova interpretação nas árias, mas sentia que me faltava qualquer coisa, essa possibilidade de criar uma canção não estava ali. O pop dava-me isso e a escolha foi por aí.
Falou de perfeccionismo. Dá-se conta de que ser perfeito é uma virtude, mas toda a virtude levada ao excesso se converte em defeito? Como controla essa tendência para o perfeccionismo?
É uma árdua batalha diária e foi um dos motivos que me fizeram demorar tanto tempo até me decidir fazer uma carreira a solo, ir para a frente com as canções e gerir todo o outro lado, porque não é só gravar um disco. De repente há imensas decisões na minha vida: coisas práticas, burocracia, pensar como vou interpretar tudo isto que estava na minha sala e na minha cabeça mas agora está espalhado por aí. O facto de ser muito perfeccionista gerou estes oito anos de gravidez e o processo de dar à luz.
Nessa lógica, foi mais fácil cantar com o David Fonseca?
O meu percurso musical começou antes de trabalhar com o David. Comecei com os Atomic Bees, onde percebi que era mesmo isto que queria fazer e onde também estava muito bem acompanhada pelo meu irmão e pelos meus amigos de infância. Nunca tinha saído para um ambiente estranho, a não ser quando fui trabalhar com o David e, aí sim, cheguei a um lado profissional da música onde nunca tinha estado, um mundo de homens onde eu era uma miúda e tinha apenas 21 anos.
Entrou no star system...
Exactamente. Com uma enorme exigência e uma exposição muito grande. Foi muito importante porque me fez crescer, não só profissionalmente mas também como pessoa. Na segunda noite em que ensaiei dei-me conta de que estava a trabalhar com uma banda que não conhecia de lado nenhum e, de repente, apeteceu-me fugir e voltar para casa.
Como a descobriu o David Fonseca?
Na altura tinha gravado o disco com os Atomic Bees, por acaso ele comprou o disco, ouviu e gostou muito. Depois escreveu-nos a dizer isso mesmo. A partir daí mantivemos sempre um contacto pela internet, às vezes encontrávamo-nos, trocávamos músicas e, quando ele fez o projecto a solo, lembrou-se de que eu poderia ser uma das pessoas a acompanhá-lo ao vivo. Ainda hoje nos rimos, porque quando o David me convidou fiquei a pensar "se calhar é melhor não" [risos].
Disse que, por acaso, o David comprou o disco e convidou-a. Acredita em acasos?
Não, por acaso não acredito em acasos [risos].
Por acaso não [risos]. Acha que houve uma espécie de convocação cósmica ou uma sincronicidade? Acredita que as pessoas se procuram inconscientemente umas às outras?
Sim... Às vezes fico a olhar para as coisas que acontecem na minha vida e penso: "Isto não pode ter sido por acaso, há aqui qualquer coisa que tenho de perceber, que tenho de aprender e retirar, ou viver." Creio que sim, inconscientemente procuramos algumas coisas, acho que faz algum sentido. Às vezes não temos consciência daquilo que realmente necessitamos e isso acaba por acontecer. Não acredito em impossíveis.
Só é impossível o que não tentamos, não é?
Sim, é isso mesmo. Se calhar as coisas acontecem porque inconscientemente nós as procuramos. Acredito que, quando de facto queremos uma coisa, muito provavelmente acontece.
Queria muito ser cantora e compositora?
Queria. Queria muito. Desde pequena sabia que haveria de ter qualquer coisa a ver com a arte. Estudei ballet oito anos e achava que ia ser bailarina, até a minha avó me dizer: "Isso é uma profissão um bocado esquisita, estar sempre no ar." [risos]
Mas tem corpo e pose de bailarina?
O ballet também era muito rígido e, na adolescência, deparei-me logo com esse rigor excessivo.
Lembra-se de quando quis ser cantora?
Sempre cantei. Acho que cantava mais do que falava, sempre foi assim. Percebi que isso podia tornar-se realidade quando comecei a tocar bateria na banda de garagem do meu irmão. De repente, passei para o microfone e o treino todo estava ali, eu até conseguia fazer qualquer coisa com a voz. Aí percebi que não era só cantar, até porque não me sinto só cantora...
Como se sente?
Sinto-me mais compositora do que cantora. Uma coisa que me chateava na música clássica, é que o cantor é só cantor e isso prendia-me. Nessa altura percebi que gostava de fazer música com outras pessoas, tocar e ir para cima do palco. Sou extremamente tímida e era um desafio enorme vencer essa ansiedade. Depois, todo o processo de poder partilhar isso com outras pessoas em cima do palco, a possibilidade de haver uma união e uma empatia entre todos é uma sensação que nunca é igual e nunca se esgota. No meu caso não é só um prazer, é uma necessidade que tenho de fazer música.
Sonha com a música que faz?
Vinte e quatro horas por dia.
A sério?!
Uma vez um amigo meu leu-me uma frase muito engraçada de um livro, creio que era escrita por um saxofonista, em que dizia que só quando estivesse mesmo a morrer é que ia deixar de ouvir música, coisa que para ele era um descanso. Sinto-me um bocado assim e às vezes preferia não ouvir.
É ruído a mais, arrasto de mais?
Não sei se será ruído, porque é uma coisa que me dá imenso prazer e é um mundo que me atrai muito, mas às vezes cansa. Parece que estou sempre à procura de uma melodia qualquer ou de juntar as melodias e criar qualquer coisa e isso é um processo muito desgastante. Como, ainda por cima, tenho um processo muito desorganizado de composição, não consigo dizer: "Entre este mês e este vou escrever canções!" A composição é uma coisa constante. Embora passe dias e dias sem cantar e sem tocar, a música nunca deixa de estar na minha cabeça. É muito cansativo [sorriso].
Toca bateria, piano, guitarra e uma harpa extraordinária, que instrumento é esse?
É uma autoharp... Toco tudo mal, na verdade [risos]. Estudei piano e canto mas o instrumento que tenho mais desenvolvido e mais controlado é a voz. Tudo o resto é boa vontade, teimosia e alguma lata! Vejo-me a fazer discos até ser velhinha.
Quem são os velhinhos que continuam em palco e a fascinam?
O Neil Young, que já não é nada novo, e o Johny Cash, que tocou até bastante tarde. Enchem o palco e esquecemo-nos completamente da idade que têm.
É mais difícil ser velhinha em palco, ou não?
É, mas depende da música que se toca. Há tipos de música que cabem melhor nessa ideia. Eu, por exemplo, posso sentar-me no piano a tocar quando já não me conseguir mexer com a guitarra [risos].
Há sempre as Tina Turners e as Bette Midlers da vida?
Sim, o desafio é mais gravar discos do que tocar. Sou uma pessoa muito caseira, que gosta imenso de estar em casa. Mas também gosto muito de ir para o palco e, se passam duas semanas em que não toco, começo a ficar com formigueiro. Mas acho que, a certa altura, isso vai acalmar e quando for realmente mais velha talvez me sente lá em casa, faça uns discos e toque só de vez em quando [risos].
Quem foram as pessoas que a inspiraram e com quem mais aprendeu?
Aprendi imenso com todos os meus professores de Música. Tive a imensa sorte de ter tido a Ana Leonor Pereira como professora de canto, e foi uma experiência incrível. Ela tinha acabado de voltar da Holanda e tinha uma mentalidade diferente da que existia cá relativamente ao ensino do canto lírico. Desafiou-me sempre a encontrar a minha própria voz. Mais do que truques e trejeitos, ensinou-me a encontrar a minha voz e a identificar as minhas limitações.
É importante ter consciência das limitações?
É radicalmente importante. A minha professora de piano (que não vejo há imensos anos, com muita pena minha), também me ensinou a não ter medo do piano. Depois inspiraram-me todos os artistas que ouvi, como a PJ Harvey e outros. Aprendi sempre imenso através dos discos que ouvi.
Associam a sua voz à da Cat Power, sente que tem a ver consigo?
Por acaso não é uma referência para mim. Acho que ela tem uma voz muito curiosa...
Para além da PJ Harvey quem é referência para si?
A Maria Callas. Ela e a PJ Harvey são duas senhoras que me põem com pele de galinha. Aprende-se muito a ouvir os seus discos. Conhecer o percurso dos artistas que admiramos também ajuda. É importante saber as suas escolhas, como foram gerindo a carreira e o que foram procurando.
Sendo tímida, como lida com a fama?
Graças a Deus sou muito pouco reconhecida na rua.
As pessoas não associam a pessoa ao nome e à voz?
Normalmente não.
Isso para si é ter o melhor de dois mundos?
Sim, é óptimo! Às vezes, na editora, dizem--me: "As pessoas conhecem a música e o nome mas não sabem quem tu és, não te reconhecem..." E acho isso muito bom! [risos]
Ou seja, é conhecida mas não é popular?
Não, não sou. Confesso que também sou desatenta e por timidez não cultivo isso. Não é uma coisa que me incomode, mas acho que teria alguma dificuldade se, de repente, me começassem a reconhecer, como alguns artistas que conheço e não podem ir a lado nenhum. Isso, para mim, seria muito violento.
O facto de ser bonita importa no meio artístico?
Sim, acho que importa. Mas a beleza também tem muito que se lhe diga, não é?! Mais importante do que ser bonita é ter carisma. Muito mais do que a beleza, importa existir harmonia entre aquilo que somos como pessoas e artistas. O oposto desta harmonia também pode ser interessante porque revela o contraste. Não cultivo esse lado da beleza pela beleza.
Mas cuida da sua imagem?
Não... Sou um bocado preguiçosa [risos]. Acho que tenho alguma sorte.
Escolhe a roupa com critério quando vai para palco?
Devia pensar mais nisso. Se tivesse uma farda, usaria uma farda [risos]!
Esse seu ar de Audrey Hepburn, que muitos acham que cultiva e lhe dá muita graça, é estratégia de marketing?
Sou uma pessoa atenta aos actores e actrizes dos anos 50 e 60 e houve um dia em que tive consciência desta parecença. Estava a ver uma biografia da Audrey Hepburn no People and Arts e de repente ela parecia eu. Achei aquilo estranhíssimo! A partir daí dei comigo a ver livros e a ler mais coisas sobre ela. Mas este também é naturalmente o meu ar.
Vi-a cantar em cima de um autocarro, no Chiado, com um vestido sem mangas muito bonito, penteada com um rabo-de-cavalo muito feminino e coquette, tudo isto no meio da cidade, num contexto até um bocado masculino. Ou seja, tem uma imagem cuidada, não sai assim por acaso...
Acredite que não penso muito na imagem. No dia-a-dia sou assim. Em cima do palco nem sempre sou muito feminina. Talvez o facto de ter esta linha de rosto e estes olhos marque muito, mas não é uma coisa que cultive.
O que gosta de fazer nas férias?
Já não tinha férias há algum tempo. Passei três anos sem férias e já não sabia muito bem o que se fazia. Agora passei os dois primeiros dias a pensar: "O que se faz nas férias?!" Gosto de fazer coisas muito básicas: dormir a sesta, ler, estar ao sol e pouco mais.
É uma pessoa feliz?
Tenho dias.
Porque só canta em inglês?
Às vezes as pessoas pensam que cantando em inglês é mais fácil ir lá para fora, mas não é. Em Portugal também não facilita. Não foi uma coisa premeditada, comecei a cantar em inglês aos 14 anos, com a banda do meu irmão, que já cantava em inglês. Fui para lá e limitei-me a cantar o que eles já cantavam.
Não queria criar perturbação?
Foi um desafio, porque era péssima aluna a Inglês e quando fui para a banda a língua aproximou-se. Era uma frustração para mim ser má aluna a Inglês e, na verdade, o medo que eu tinha da língua foi desaparecendo. Também foi um desafio começar a escrever em inglês.
Não consegue cantar em português?
Mais tarde ou mais cedo hei-de cantar em português, mas tem de acontecer de forma genuína. Se me sentar e disser "vou compor", por enquanto sai-me em inglês.
Quando se está habituada a cantar em inglês tropeça-se no português?
O mais difícil é que me conheço enquanto cantora em inglês; reconheço a minha voz nesta língua, mas não me reconheço a cantar em português. Vou ter de trabalhar isso e encontrar-me aí, mas esse processo ainda não aconteceu.
Qual era a maior extravagância que gostaria de fazer, se pudesse?
[Risos] Agora seria uma extravagância, mas espero um dia poder fazê-lo: comprar uma quinta no meio do Alentejo e andar descalça o dia todo.
Gosta de cães e de animais?
Cresci no campo e é lá que quero regressar.
Fonte: Ionline