'A Festa da Menina Morta'


'A Festa da Menina Morta', do actor brasileiro Matheus Nachtergaele, é uma obra fascinante sobre misticismo no coração da Amazónia.


Estreia do actor brasileiro Matheus Nachtergaele na realização, A Festa da Menina Morta passa hoje, às 22.00 (Sala 1, São Jorge), no Queer Lisboa 13. Exibido no ano passado no Festival de Cannes na secção Un Certain Regard, este é um filme que revela, sem dúvida, um olhar peculiar, original e autóctone.


O realizador e argumentista disse que a ideia para a longa-metragem lhe surgiu durante a rodagem de um filme (em que participava como actor) no interior de Paraíba, onde teve oportunidade de assistir a uma cerimónia religiosa na casa de uma família que oferecia o seu terreno para a celebração do milagre da sua filha desaparecida que havia enviado o seu vestido após muitas preces. Contudo, a imaginação de Nachtergaele encarregou-se de transfigurar amplamente os elementos que colheu nessa realidade.


Partindo desse mote inspirador, o realizador constrói uma história fascinante ambientada numa pequena comunidade ribeirinha situada no coração da Amazónia que vive centrada na carismática mas problemática figura de um homem jovem que todos tratam por Santinho. Um nome que traduz a crença do povo na sua santidade. A origem do culto em redor dessa personagem de contornos quase xamânicos remonta, porém, à sua infância, quando, após o suicídio da mãe (que aparece no filme na forma de visão fantasmagórica, interpretada pela espantosa Cássia Kiss), o rapaz foi supostamente investido de poderes ao receber da boca de um cão os restos do vestido de uma menina desaparecida em circunstâncias misteriosas. Desde então, e ao longo dos últimos 20 anos, crê-se que a menina morta fala anualmente pela boca do santo, altura essa celebrada pela festa do título.


Filmado em estilo de documentário antropológico com veia esteta, A Festa da Menina Morta gira em torno de Santinho (Daniel de Oliveira), uma figura que se caracteriza pela sua ambiguidade. Calmo e irascível, efeminado e bruto, etéreo e promíscuo, Santinho é a encarnação da contradição, como se na sua alma existisse uma fenda através da qual as trevas nela penetrassem. Mas independentemente da autenticidade dos seus poderes espirituais (contestados pelo irmão da menina), o facto é que Santinho é um ser especial. Mas, como sempre acontece com as pessoas raras, onde uns vêem um santo outros verão talvez um impostor ou um lunático. Nachtergaele sabe, porém, equilibrar o filme num limbo simbólico que o resgata de todos os sentidos óbvios, jogando com o carácter ambivalente da personagem.


Fonte: DN

POSTED BY Joana Vieira
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