EUA: Saúde e empregos são prioridade


O Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, prometeu ontem continuar a lutar pela reforma do funcionamento do sistema de saúde e instou os dois partidos no Congresso a ultrapassar as suas divisões e aprovar a nova legislação que garantirá o acesso a cuidados médicos a mais de trinta milhões de pessoas actualmente fora do sistema.

“Isto é o que eu vos peço: não abandonem a reforma agora, não quando chegamos tão longe”, apelou o Presidente durante o seu primeiro discurso sobre o “Estado da União”, em Washington. “Vamos encontrar maneira de trabalhar juntos e concluir este processo”, acrescentou, repetindo “vamos fazer isto”, “vamos fazer isto juntos”.

As negociações da lei caíram num impasse que parece inultrapassável, depois das duas câmaras do Congresso terem aprovado duas diferentes propostas. O Partido Republicano, reforçado pela eleição de Scott Brown para o lugar do Massachusetts no Senado, garantiu que tudo fará para impedir que a reforma avance.

Assustado com o resultado eleitoral, o Partido Democrata propôs-se abrandar os seus esforços e relegar a legislação para segundo plano. Obama, contudo, não desarmou: “Este problema não vai desaparecer”, garantiu.

“Quando eu tiver acabado este discurso, mais americanos perderam o seu seguro de saúde. Milhões vão perder os seus seguros este ano. O preço das apólices vai subir. Os doentes vão ver mais tratamentos negados. Eu não vou abandonar estes americanos, e vocês também não o deviam fazer”, sublinhou.

O impasse a que chegou o processo legislativo em Washington e as difíceis condições em que têm de sobreviver as famílias de classe média americanas foram as duas principais tónicas do discurso de Obama ontem à noite no Congresso – uma sessão em que o Presidente prestou contas ao país, tal como previsto na Constituição.

Consciente da impaciência, frustração e descontentamento da opinião pública no final do seu primeiro ano de governo, o Presidente afinou a sua mensagem, sem renunciar às suas promessas e sem alterar a sua agenda. “Eu sei que para muitos de vocês a mudança não chegou tão depressa como desejavam”, reconheceu.

Comprovadamente, as coisas não correram bem ao Presidente no seu primeiro ano de mandato: Obama foi agraciado com o prémio Nobel da Paz, mas não alcançou nenhuma vitória diplomática nem conseguiu a aprovação da sua principal prioridade legislativa, a reforma da saúde. “A nossa administração sofreu alguns reveses este ano, e alguns deles foram merecidos”, admitiu.

Mas ao contrário do que aconteceu a muitos dos seus correlegionários do Partido Democrata, o Presidente demonstrou que não perdeu o norte nem a cabeça depois da surpreendente derrota eleitoral do Massachusetts, há duas semanas, que acabou com a super-maioria de 60 votos dos liberais do Senado.

"Começar de novo"
Repetidamente, Obama insistiu que a mudança é necessária – e que reformas como as que ele advoga para o sistema de saúde, para a regulação do sistema financeiro, para o sector da energia, a imigração e educação são indispensáveis para o país ultrapassar a actual crise e reafirmar-se como líder a nível global.

O Presidente sabe que a implementação da sua ambiciosa agenda é tudo menos garantida na actual conjuntura política americana. Mas se houve mensagem que ele ontem procurou transmitir à população foi precisamente de que ele não deixará de lutar por esses objectivos, por mais que a sua popularidade caia e mesmo que isso lhe venha a custar um fácil segundo mandato.

“Eu nunca sugeri que a mudança ia ser fácil, nem que podia fazê-la sozinho. A democracia numa nação de 300 milhões de pessoas pode ser barulhenta, confusa e complicada. E quando se tentam fazer grandes mudanças, isso agita paixões e controvérsia”, observou.

“Chegámos ao fim de um ano difícil, de uma década difícil. Mas este é um novo ano, uma nova década. Eu não desisto”, frisou, “e vocês também não deviam desistir”, acrescentou, sem se perceber se falava para os legisladores à sua frente ou os telespectadores em casa. “Vamos agarrar a oportunidade e começar de novo”, convidou.

Para o novo tiro de partida Obama convocou a classe média – aqueles que mais têm castigado o Presidente nas sondagens e mais têm reclamado da incapacidade e inacção da Casa Branca e Congresso. “Eu sei que vocês estão ansiosos. Eu conheço as vossas ansiedades, elas foram a razão porque me candidatei à Casa Branca”, disse.

O Presidente lembrou que desde que começou a recessão, há dois anos, os Estados Unidos perderam mais de sete milhões de postos de trabalho, e que a taxa de desemprego persiste nos dez por cento. “É por isso que o emprego vai ser o nosso foco número um em 2010 e é por isso que esta noite estou a propor a criação de uma nova lei para a criação de emprego”, declarou o Presidente.

Na realidade, Obama propôs muito mais do que uma lei: apresentou todo um programa que mistura mais investimento público, mais benefícios fiscais para as empresas, mais incentivos para as famílias e mais impostos e limitações para as instituições financeiras, de forma a garantir a estabilidade dos mercados.

O Presidente defendeu o seu polémico plano de estímulo económico de 787 mil milhões de dólares e elogiou algumas das suas medidas, nomeadamente aquelas na área da fiscalidade. “Baixamos os impostos a 95 por cento das famílias. Baixamos os impostos às pequenas empresas”, enumerou.

Mas Obama não iludiu que o seu plano de estímulo contribuiu com mais um milhão de milhões de dólares para a dívida nacional. E comprometeu-se a congelar a despesa federal não discricionária que não está ligada à defesa ou à segurança social por um período de três anos, já a partir do próximo orçamento (que será apresentado na segunda-feira, dia 1 de Fevereiro).

O Presidente informou ainda que iria assinar uma ordem executiva para constituir uma comissão fiscal bipartidária, responsável por apresentar propostas para cortar o défice através da revisão dos chamados “entitlements”, como a Segurança Social e os programas Medicare e Medicaid – uma ideia apresentada pelos senadores republicano Judd Gregg e democrata Kent Conrad, mas que a câmara alta chumbara na véspera.

Défice de confiança em Washington
O discurso de Obama foi pontuado de momentos em que o Presidente recriminou o comportamento dos seus pares no Congresso, que goza de uma popularidade ainda mais baixa do que o Presidente junto da opinião pública norte-americana.

“O défice em Washington não é só de dólares, é de confiança”, declarou, notando que o eleitorado tem razão para a desilusão e cinismo tendo em conta a cultura politica que impera na capital. “Aquilo que frustra a população é que Washington vive como se cada dia fosse uma eleição, em que tu ganhas e eu perco”, lamentou.

O tom de Obama foi simultaneamente desafiador e apaziguador: “Em vez de continuarmos a travar as mesmas estafadas batalhas, que têm dominado Washington por décadas, é tempo de experimentarmos algo novo. Que tal usarmos um pouco de senso-comum?”, sugeriu o Presidente.

Mas na resposta republicana, apresentada pelo recém empossado governador da Virgínia, Bob McDonnell, percebeu-se que a oposição vai manter a sua estratégia de bloqueio e isolamento de Obama. “Este governo simplesmente quer fazer muita coisa ao mesmo tempo”, criticou McDonnell.




Fonte: Público

POSTED BY Mari
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