Festa familiar com Sir Elton John



O segundo dia do Rock in Rio, ontem, foi em tudo diferente do anterior. Ou melhor, não em tudo, que a procura por sofás vermelhos insufláveis continuou a originar as maiores filas em todo o recinto. Sofás à parte, as diferenças foram notórias. Entre o público, a frenética juventude, em maioria na abertura, foi equilibrada com a serena meia idade de olhos postos em Elton John. O saltitante “levanta o pé do chão” desapareceu sem deixar rasto e, por comparação, tivemos um piquenique pacato para 41 mil pessoas em vez do festim para 81 mil do dia anterior. A excepção? João Pedro Pais.

Quando surgiu para inaugurar o Palco Mundo, às 19h, tinha perante si escassas centenas de pessoas, mas não pareceu minimamente preocupado. O homem berrou tudo o que pode berrar, o rocker rockou na sua Telecaster como se se imaginasse Bruce Springsteen, o instigador pediu ao público que gritasse os seus gritos (e o público gritou), o músico emocionou-se e lançou reptos enigmáticos como - citamos de cabeça - “nada disto faria sentido se não fossem vocês, os restos de vocês e das vossas almas”. Pausa: “Portugal!”

Nas canções do autor de “Nada de nada” – foi a última que lhe ouvimos -, o mundo são pequenas tragédias à espera de acontecer, o mundo é sempre salvo com estrépito por um solo de guitarra. Não vimos mais nada assim. Como canta João Pedro Pais em “Não há”, “antigamente, era diferente”. Antigamente foi o dia da loucura ginasticada com Ivete Sangalo. Ontem, apesar dos esforços de João Pedro Pais, foi outra coisa.

Elton John atravessou toda a sua década de 1970 com prazer notório e foi bonito vê-lo iniciar o concerto, pelas 22h15, com a longa suite de abertura de “Goodbye Yellow Brick Road”, “Funeral for a friend / Love lies bleeding”. Foi esse o mote para uma actuação em que mostrou tudo o que realmente interessa na sua carreira (e também, a destoar, uma foleirada chamada “Sacrifice”). Enfiado no seu casaco comprido com lantejoulas embutidas (uma maior discrição não apaga a exuberância natural do Sir), tocou o rock dos bons velhos tempos, como diria José Cid, de “Saturday’s night alright for fighting”, atirou-se ao proto-disco de “Philadelphia freedom” e fez de “Rocket man” um imenso espaço de virtuosa diversão com pianada blues (à atenção de John Mayer: há que pôr o saber instrumental ao serviço da canção, não o contrário).

Perante a estrela, que se levantava do piano para reclamar aplausos e que denunciou a veterania quando um salto mais arrojado quase redundava em queda aparatosa (o que, de resto, só acentuou o à vontade com que se apresentou), o público foi reagindo sem excessos. Milhares de braços a ondular ao sabor das baladas (“Daniel”, por exemplo) e os muitos pares de meia idade já abraçados, a aproveitar “Don’t let the sun go down on me” para se abraçarem um pouco mais.

Lá em cima, no ecrã sobre o palco, sucediam-se coloridas estilizações muito pop de velhas fotos de jovem Elton. Cá em baixo, todos estavam visivelmente agradados mas sem grandes manifestações de euforia. Fez-se coro para acompanhar os “na nanana nana” de “Crocodile rock” e, já em encore, acompanhou-se em surdina “Candle in the wind” (ilustrada com excertos vídeo da sua inspiração, Marylin Monroe) e “Your song”. Foi com ela que o digníssimo Sir Elton, acompanhado no concerto por uma muito competente banda de veteranos, se despediu do Rock In Rio. Sem deslumbrar, mas protagonista de um serão bem passado – e o momento alto do segundo dia de festival.

Foi, digamos, um dia familiar, com a inglesa Leona Lewis, vencedora do Ídolos local e depois transformada em estrela r&b, a dedicar-se aos malabarismos vocais habituais a quem se quer destacar nos Ídolos de qualquer sítio – a cantora de “Bleeding love” actuou antes de Elton John e do seu concerto não se guardará memória. E um dia de regressos familiares, com os Trovante, reunidos propositadamente para o Rock in Rio, a tocarem perante uma plateia consideravelmente mais despida – muito público decidiu rumar a casa após o concerto de Elton John.

Os resistentes, animados e emocionados com o reencontro – até deu para Luís Represas andar em corrida pelo corredor que se estende do palco à plateia -, acompanharam o revisitar de uma carreira que, na viragem da década de 1970 para a de 1980, ignorou o boom do rock português para se concentrar na releitura da música popular portuguesa (com acento no pop de popular). Seguiram assim as “caravelas” de “Xácara das bruxas” ou a aproximação ao fado, com sax e mandolim, de “Travessa do Poço dos Mouros”.

Luís Represas, na Cidade do Rock onde tudo o que luz é outdoor publicitário ou stand de patrocinadores, falou da importância do palco que pisava, porque “não é só de música, é de solidariedade, de causas, de ecologia”, e apresentou “Memórias de um beijo”. Referiu-o novamente em encore, quando “Perdidamente” já tinha sido cantado por ele e pelo público e “125 Azul” já tinha originado um mini baile. Fê-lo para apresentar a penúltima canção da noite, “Timor”. Aproximavam-se as duas da madrugada e os Trovante estavam prestes a despedir-se com “Prima da chula”.

Horas antes, quando o sol ainda brilhava, já ganhava forma a ideia de dia familiar no Rock In Rio. Vejamos. No Palco Sunset, pelas 18h30, Tim convidava Mariza a juntar-se-lhe. Mariza que um dia antes actuara no outro extremo do recinto, onde cantara a “Rosa branca” que ontem lhe ouvimos novamente. Hora e meia depois, o cantor brasileiro Toni Garrido subia a palco para acompanhar Rui Veloso. Boss AC chegava pouco depois.

Entre clássicos de Veloso, como o inevitável “Paixão”, e a chegada da convidada principal, Maria Rita, cantaram “Rimas de saudade” ou “Boa vibe”. Duas que AC incluíra no concerto que, no dia anterior, dera naquele mesmo palco. Quem era um dos seus convidados? Toni Garrido, precisamente. Tudo em casa no Rock In Rio.

O festival prossegue para a semana, dias 27, 29 e 30 de Maio, com concertos de Muse, Myley Cyrus ou Motörhead.

* Mário Lopes é crítico de música no PÚBLICO



Fonte: Público

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