Final inédita, Espanha vs Holanda


A Holanda de Bert van Marwijk, adepto de uma boa cartada, defronta a Espanha de Vicente del Bosque, o homem que só sorri quando é preciso: "Não sou muito teatral", atira o espanhol.

Holanda e Espanha jogam hoje pelo título de campeão do mundo de futebol. Um "sonho", como se ouviu ontem diversas vezes no Soccer City, palco de uma final inédita entre duas equipas que fizeram por merecer esta honra. Mas a Espanha e a Holanda porquê? "Porque nós ganhámos ao Brasil e a Espanha derrotou a Alemanha", resumiu Bert van Marwijk, ansioso por voltar a ser campeão do Mundo (na década de 1970 ganhou um torneio de Klaverjassen, um jogo de cartas). "Porque ambas praticam um futebol agradável", respondeu pouco depois Vicente del Bosque, que sorriu e prometeu repetir a graça se hoje tiver motivos para isso.

Marwijk e Del Bosque até já se encontraram numa final importante. Aconteceu em 2002, no Mónaco. O holandês orientava uma equipa holandesa (o Feyenoord) e o espanhol liderava uma equipa espanhola (o Real Madrid), que venceu essa Supertaça Europeia (3-1, com Figo em campo). Mas em Joanesburgo ninguém perde tempo a olhar para o passado, para as duas finais atravessadas na garganta dos holandeses ou para o passado frustrante dos espanhóis (que não vencem a Holanda há 27 anos) na competição. Bert van Marwijk e Vicente del Bosque conhecem-se bem, admiram o adversário e nenhum acredita em "mudanças no guião", como disse o espanhol, confrontado com a teoria "o Inter de Mourinho foi o melhor antídoto do Barcelona, por isso...".

Separadas por minutos, as conferências de imprensa pareciam duas peças de um puzzle, de uma final que faz todo o sentido. Será o encontro de dois estilos vistosos, do cruzamento do futebol holandês com o espanhol (e com o futebol do Barcelona, onde alguém um dia enxertou a escola holandesa), dos golos de Villa (cinco) com os de Sneijder (cinco), do talento singular de Xavi com a perícia de Robben. "Um jogo extraordinário", apregoou Marwijk. "O mais importante da minha vida de futebol", disse, palavra por palavra. "Nunca ninguém na Holanda foi campeão do mundo. Há muito tempo que desejo jogar com Espanha. E aconteceu", prosseguiu o seleccionador, com "coragem" para defrontar "o melhor país de futebol nos últimos dois anos". "São duas equipas", resumiu. "E sublinho a palavra equipas". "O que é que estas equipas têm que as outras 30 não têm?", perguntou-se. "São duas equipas muito organizadas que jogam mediante a visão que têm do jogo", respondeu.

"É um jogo que não se joga todos os dias, o máximo no mundo do futebol", repetiu Del Bosque, que só se lembra de algo melhor. "Preferia disputar a final como jogador, mas terei que aceitar o meu papel de treinador". Bonacheirão, bigode farto, Vicente del Bosque também não sabe como reagirá perante a vitória. Quando lhe perguntaram se finalmente sorriria, sorriu e disse: "Não sou muito teatral. A alegria vai cá dentro. Farei o que me pedir o corpo". Confirmou ter tido uma conversa com o rei Juan Carlos e ele próprio aproveitou para deixar uma mensagem à nação. "É um jogo para se relativizar o resto e não radicalizar outros assuntos. Vivemos uma união desejável para todo o país".

"Cuidado com os detalhes"

A história diz que os últimos duelos entre Espanha e Holanda foram sempre equilibrados. Defrontaram-se nove vezes (três jogos oficiais e seis particulares), empataram uma vez e distribuíram irmãmente as vitórias. Não estão acostumados a encontrar-se em grandes competições e não há precedentes de duelos em fases finais do campeonato da Europa ou do mundo. "Cuidado com os detalhes", alertou Xavi. Arrogância? "Nunca nos tornámos numa equipa ultraconfiante e não acontecerá contra uma equipa como a Espanha. Temos que ser nós próprios", alertou Marwijk. Criatividade? "Podemos depender de jogadores criativos, mas a Espanha pode fazer a mesma coisa", disse o holandês. Favas contadas? "A Holanda tem jogadores rápidos e verticais", juntou Del Bosque.

Espanha ou Holanda? Nenhum deles arriscou um prognóstico, talvez porque, como diria Fernando Signorini, preparador físico da Argentina, "o futebol é misterioso e jogá-lo bem é muito difícil". Quando é que uma selecção merece ser campeã? Se fosse uma questão de músculo, "o Schwarzenegger seria o melhor jogador do mundo". Se fosse só correr, correr, correr, "o futebol canadiano tinha conservado Ben Johnson, mas ele chegava sempre em último". E ter músculos, chega? "A moda do Cristiano Ronaldo fica bem, mas ele não joga bem por ter músculos. Alguém o enganou. Disseram-lhe que quanto mais creme colocar e quantos mais abdominais fizer, melhor jogará. E isso é mentira", explicou Signorini, que um dia escreveu uma apologia da cabeçada de Zidane. "Defendeu a sua dignidade e a dignidade das pessoas está acima de tudo, inclusive de um Mundial".




Fonte: Público

POSTED BY Joana Vieira
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