Cavaco apela hoje ao voto


Quando o Presidente da República fizer hoje o tradicional apelo ao voto, no horário nobre da RTP, estará a falar para milhões de portugueses que, independentemente da inclinação política, partilham uma mesma sensação: total perplexidade perante o escândalo das alegadas escutas a Belém, um caso estrangeiro face às eleições legislativas mais tensas das últimas décadas, e que acabou por marcar a última semana da campanha.


Belém mantém uma cortina de silêncio sobre o assunto devido ao período eleitoral - Cavaco Silva nem sequer estará presente nas comemorações do 5 de Outubro, a primeira vez no mandato que não participa nesta cerimónia. Mas a pressão sobre Cavaco Silva vai subindo para que esclareça quanto antes o caso que envolve suspeitas de espionagem a uma das principais instituições da República.


"Tudo isto é incompreensível, o Presidente já deveria ter falado", desabafa ao i Vítor Ramalho, um histórico do PS, próximo de Mário Soares. "A política deve ser feita com clareza porque é a expressão da representação colectiva: destina--se aos cidadãos e eles devem perceber", acrescenta o ex-deputado socialista. José Eduardo Martins, candidato do PSD por Viana do Castelo, admite também a sua perplexidade. "Não consigo interpretar nenhum dos factos desta sequência, tal como muitas pessoas", afirma. "Aguardo as explicações do Presidente", acrescenta. Rui Ramos, historiador e politólogo, lembra a concepção de timing "muito especial" de Cavaco, recomenda prudência na análise de um caso ao qual faltam muitos factos e, por isso mesmo, aponta que "seria óptimo ter uma explicação, não só do Presidente, mas de todos os envolvidos".


Estas afirmações foram feitas já ontem, depois de o "Sol" noticiar que Cavaco Silva mantém, afinal, a confiança em Fernando Lima. Apesar de ter deixado de ser o responsável pelas relações de Belém com a comunicação social, o assessor fica na equipa, com outras funções ainda por divulgar. Já ao "Expresso", fontes da Presidência insistiram que o "o assunto é muito sério e muito grave, há substância para as suspeitas levantadas pela Presidência". Sobre o facto de Cavaco Silva ainda não se ter pronunciado sobre o assunto, fontes da Presidência afirmam ao "Expresso": "O momento para as revelar é o pior. Nem tudo é o que parece."


Ao longo de toda a semana, foram várias as vozes com peso a pedir esclarecimentos a Cavaco: do PS, António Vitorino e, com assento no Conselho de Estado, Almeida Santos e o presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César; do PSD, Pacheco Pereira e Luís Filipe Menezes. No Bloco de Esquerda a crítica chegou mais longe, sendo mencionada a hipótese de demissão do Presidente.


não há factos O caso é complexo e parco em factos concretos - "a maioria dos portugueses nem deve perceber o que se está a passar", comenta Rui Ramos - mas certo é que condicionou os últimos dias da campanha eleitoral das legislativas. "Gostava de dizer que não interferiu na campanha, mas sinto que sim", diz Eduardo Martins, do PSD. "Estive todos os dias na rua e durante dois ou três dias não se falou sobre outra coisa", acrescenta.


Para o PSD, o partido mais prejudicado pela interferência de Cavaco, a leitura dos acontecimentos é mista. A mais imediata recupera o termo da "asfixia democrática" e responsabiliza o governo e a comunicação social. "[A notícia de que Lima fica em Belém] não é novidade nenhuma - a comunicação social está é condicionada e não dá as notícias como elas são", afirma Paulo Rangel, deputado europeu do PSD, que esteve ao lado de Ferreira Leite na campanha. Contudo, foi claro o desconforto nos bastidores da máquina social-democrata face às possíveis consequências eleitorais do caso, especialmente depois da demissão de Fernando Lima. Luís Filipe Menezes chegou a dizer que a demissão tinha sido "uma ajudinha" ao PS e Pacheco Pereira escreveu no seu blogue que, ao deixar cair Lima, Cavaco "quebrou o seu próprio silêncio [...] e interferiu de facto na campanha eleitoral".


Para o PS, que explorou o caso para fragilizar Belém e descredibilizar a campanha contra a "asfixia democrática" do PSD, a explicação é outra. "O caso começou por ajudar o PSD, que se encostou a ele, mas depois a conduta do Presidente da República acabou por beneficiar o PS", aponta Vítor Ramalho.


O início público do caso remonta a meados de Agosto, quando o jornal "Público" citou uma fonte da Casa Civil: "Estamos sob escuta ou há alguém na Presidência a passar informações? Será que Belém está sob vigilância?" O caso foi desvalorizado pelo primeiro-ministro como um "disparate de Verão" e de Belém não saiu um comentário. O caso foi perdendo força nos media até o "Diário de Notícias" ter apontado Fernando Lima, assessor de comunicação de Cavaco, como a fonte citada pelo "Público", acusando a Presidência de "encomendar a história" ao jornal. A saída de Lima foi interpretada como uma desvalorização por parte do Presidente das suspeitas de escutas.




Fonte: ionline

POSTED BY Mari
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