O julgamento da “jazz lady”






Foi uma estudante brilhante, uma trompetista promissora, uma professora popular numa escola prestigiada de Londres. Um dia apaixonou-se por uma aluna de 15 anos. Em Julho estalou o escândalo. A polícia vasculhou a sua casa e os jornais relataram o conteúdo das mensagens de telemóvel mais ou menos explícitas que trocava com a menor. Esta semana, Helen Goddard, a "jazz lady", como era conhecida, foi condenada a 15 meses de prisão.

Num tribunal de Londres, o juiz fez saber que a professora de 26 anos teria que cumprir de imediato a pena numa cadeia porque o crime que cometera tinha sido demasiado grave: sexo com uma rapariga de 15 anos, ainda por cima sua aluna. E Helen chorou.


Contudo, quando ouviu que nada a impediria de, uma vez libertada, voltar a estar com a adolescente, cerrou o punho num gesto de vitória. E sorriu.


Na ressaca do julgamento de segunda-feira o país tem questionado a decisão da justiça, as fronteiras que hoje existem entre alunos e professores, mas também uma certa benevolência que alguns colunistas parecem demonstrar para com a docente-trompetista.


Helen Goddard é loura, magra, bonita, uma "menina-prodígio", escrevem os jornais, que gosta de jazz e dava aulas numa escola de raparigas que desembolsam mais de 14 mil euros por ano de propinas. "Tenho pena da professora de música lésbica e odeio-me por causa disso", confessava esta semana George Pitcher, especialista de religião do Telegraph, padre anglicano em Londres, num artigo publicado no jornal britânico.


"Creio que não estou sozinho. E isso preocupa-me", rematava, depois de confessar que tem a noção de que, se no lugar de Helen estivesse um homem, a sua reacção seria outra. E de que, se no lugar da adolescente estivesse a sua filha, então nem se fala.




"O Senhor guia-nos"



Os pais da aluna de 15 anos queriam que Goddard fosse impedida de ver a jovem durante os próximos cinco anos. A acusação pediu ao tribunal que emitisse uma ordem judicial que concretizasse esse desejo. Que a impedisse inclusivamente de enviar cartas da prisão à estudante. O juiz Anthony Pitt, do Southwark Crown Court, recusou, com base "no interesse" da jovem.


"Penso que seria desnecessariamente cruel impedi-la" de contactar Goddard, disse Anthony Pitt. Afinal, a adolescente diz que está apaixonada (a professora também está apaixonada pela aluna, garantiu o advogado de defesa) e que nunca foi pressionada. Mais: já sofreu muito com o facto de o caso ter sido tornado público, afirmou o juiz.


"Mas ela só tem 15 anos, faz 16 para a semana, sabe lá alguma coisa!", clamava um apresentador de televisão no dia seguinte à leitura da sentença.


Ouvida no tribunal, a rapariga, cujo o nome não foi revelado, explicou como nasceu o romance. A cumplicidade começou nos cafés perto da escola de Londres (uma escola que tem como lema "O Senhor, guia-nos") onde se encontravam depois das aulas. Os pais dela tinham-se separado havia algum tempo e ela costumava falar dos seus problemas com a professora.


A certa altura, começaram a frequentar a casa uma da outra. Helen Goddard conheceu os pais da aluna. Houve empatia. Em tribunal, o pai não deixou, de resto, de sublinhar como se sente traído: "A nossa filha procurou apoio numa altura em que estava vulnerável e Goddard traiu a nossa confiança e as necessidades da nossa filha."


A rapariga acabou por confessar que queria uma relação sexual. Helen Goddard ter-lhe-á respondido que deveriam esperar, sustentou a defesa em tribunal. Mas as mensagens de telemóvel e os encontros foram estreitando a relação. Não esperaram. O primeiro beijo aconteceu em Fevereiro, quando caminhavam juntas depois de mais um dia de escola.




Fim-de-semana em Paris



Helen Goddard foi uma criança excepcionalmente dotada para a música. Chegou a tocar para a rainha no Royal Albert Hall, integrada na orquestra Hampshire County Youth Band. E aos 17 anos foi um dos cinco músicos britânicos escolhidos para actuar na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos em Sydney.


Pertence ao Exército de Salvação, é uma cristã devota, diz oDaily Mail. No Natal, vai sempre tocar trompete na igreja perto da casa dos pais.


A família ajudou-a a comprar o T2 onde vive desde que há três anos foi dar aulas para a escola de raparigas - já frequentada por algumas celebridades, como a cantora pop Dido.Tem um cão, que costuma levar a passear. É tímida, dizem os vizinhos. Tem uma voz doce, relatam os jornalistas. É alguém um pouco imaturo para a idade, afirmam amigos e familiares.


Até ao dia em que a polícia lhe entrou pela casa adentro e encontrou diversos "brinquedos sexuais" e algemas, Helen Goddard e a sua aluna trocaram mais de 200 SMS. Algumas de "natureza explícita", contou o Telegraph que deu mais detalhes: sempre às escondidas, chegaram a ter relações sexuais tanto na casa da mãe como na do pai da adolescente.


Os pais da rapariga achavam que a "amizade" com Goddard estava a ser uma boa influência. A adolescente parecia feliz. Em Junho, deixaram-nas ir juntas a Paris. Pensavam que iam ficar com a irmã mais velha da professora. Na verdade, partilharam o mesmo quarto de hotel. E participaram numa Marcha do Orgulho Gay.


No Reino Unido, as relações sexuais são legais a partir dos 16 anos. Relações entre professores e alunos só são admissíveis se estes tiverem pelo menos 18 anos. O debate a que se tem assistido na imprensa britânica ultrapassa, contudo, esta história. Uma sondagem recente feita junto de 2200 adultos, citada pelo jornal Guardian, revelou que um em cada seis inquiridos conhecia alguém que teve "uma relação íntima" com um professor enquanto andava na escola.


Vários casos têm sido notícia no país, nos últimos anos, alguns dos quais nasceram e foram sendo alimentados pelo uso das novas tecnologias - as redes sociais, as mensagens de telemóvel... E o Guardianabordava os novos riscos destas ferramentas. Os professores são encorajados a manter contacto com os alunos, mesmo fora da escola, usandoe-mails, SMS, salas de conversação por vezes nos própriossites dos estabelecimentos de ensino, e as fronteiras estão a esbater-se - entre casa e escola, entre espaço público, que não escapa ao olhar de outros professores e de outros alunos, e o privado.


Nada que seja estranho também para os professores portugueses. "Os alunos colocam dúvidas por e-mail e acabam a enviar mensagens onde falam dos seus problemas pessoais, os professores sentem-se tentados a envolver-se e cria-se um espaço indefinido" que é preciso gerir cuidadosamente, diz João Grancho, presidente da Associação Nacional de Professores. A margem para os mal-entendidos aumenta quando a comunicação não se faz olhos nos olhos.


"Esta plataformas são excelentes ferramentas de trabalho", diz, por seu lado, José Morgado, psicólogo e professor do Instituto Superior de Psicologia Aplicada. E na sua utilização deve simplesmente imperar o bom senso. Por detrás do computador, ou na sala de aula, um professor "que deixa confundir os atributos do seu papel está a correr riscos" e a esquecer que o que os alunos esperam de facto do professor não é que ele seja "o irmão mais velho, ou o tipo porreiro", é que seja "um professor com P grande".


Goddard não soube estabelecer a fronteira. A adolescente terá contado a colegas a relação que mantinha com a professora. E em Julho a escola recebeu uma denúncia anónima. A polícia foi alertada de imediato.


Goddard foi despedida e nunca mais poderá dar aulas a crianças. Por ordem da justiça britânica, passou a fazer parte da vergonhosa lista dos agressores sexuais do país. E o seu nome aí permanecerá nos próximos dez anos.



Mas quando o juiz disse que podiam voltar a ver-se, a professora sorriu.



Por Andreia Sanches



Fonte: Público

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