Sócrates repete estratégia de governação à vista de António Guterres
É o regresso da vertente parlamentarista do sistema político português. A maioria relativa obtida pelo PS vai obrigar o Governo de José Sócrates a olhar com outros olhos para o Parlamento e a valorizar as negociações com os partidos da oposição. Tudo indica que José Sócrates opte por não fazer uma coligação permanente de Governo, até porque todos os outros líderes partidários se encarregaram de ir fechando essa porta.
Com 96 deputados, que poderão ainda somar um ou dois nos círculos da emigração, o PS tenderá a adoptar uma estratégia do tipo da que foi praticada pelos governos de António Guterres. Uma espécie de governação e negociação parlamentar permanente, num estilo de navegação à bolina, de costa à vista. Ou seja, consoante o tipo de assuntos sobre os quais se quer legislar então escolhe-se o(s) parceiro(s) com quem negociar.
É certo que o Parlamento que foi eleito no domingo é diferente dos Parlamentos que Guterres enfrentou. Até porque à esquerda do PS há agora dois partidos com peso equivalente, o BE, com 16 deputados, e o PCP, com 15. O que obriga a que as negociações à esquerda tenham sempre de ser feitas a três e não a dois, facto que pode dificultar a obtenção de acordos.
Mas é isto que a esquerda independente mais quer. Disse-o Manuel Alegre no domingo à noite e quase de imediato começou a circular um documento que apela a um "Compromisso à Esquerda - Apelo à estabilidade governativa", já assinado por dezenas de personalidades e intelectuais, muitos dos quais envolvidos no Fórum das Esquerdas que juntou Alegre ao Bloco de Esquerda no ano passado. Do independente André Freire ao sindicalista da CGTP Ulisses Garrido, passando por Boaventura de Sousa Santos ou pela socialista Maria do Rosário Gama, todos apelam a um compromisso que afaste o PS da tentação de fazer acordos à direita, sobretudo com o CDS-PP.
Num cenário parlamentar minoritário, é primordial a capacidade de negociação do Governo e do partido da maioria. Há dois cargos institucionais que serão decisivos na gestão política das relações com a oposição: o de ministro dos Assuntos Parlamentares e o de líder parlamentar. Será por estas duas figuras que passará a capacidade negocial do Governo e é natural que sejam escolhidas figuras de perfil complementar: um mais capaz de fazer pontes à esquerda, talvez no grupo parlamentar, o outro mais sensível à direita e mais próximo de Sócrates, mas com grande sensibilidade política e longe da linha dura de Santos Silva. Em 1995, António Guterres colocou nos Assuntos Parlamentares António Vitorino, precisamente pela sensibilidade política que o lugar exigia.
Um governo a prazo?
A particularidade do momento também concorre para que os partidos da oposição estejam menos agressivos em relação ao Governo agora eleito. Todas as conversas tidas pelo PÚBLICO vão no sentido de que é previsível que o Governo tenha uma esperança de vida de pelo menos dois anos. Ainda ontem, na Rádio Renascença, o socialista João Cravinho considerava que o acto eleitoral de domingo foi o início de uma eleição "a duas voltas", já que "é plausível que haja uma nova eleição daqui a dois anos", após as presidenciais.
Sócrates tentará, assim, não cometer erros e fazer tudo "by the book", como fez Cavaco Silva no seu primeiro governo, de modo a poder dizer mais tarde que não tem condições para governar em minoria. Por isso começou, desde que foi eleito, a recorrer aos argumentos da estabilidade e da responsabilidade, atirando-os para os partidos da oposição. O momento de crise económica obriga a que as forças partidárias se concertem na governação. Por outro lado, o facto de em Janeiro de 2011 se realizarem eleições presidenciais faz com que não haja espaço político para a oposição provocar a queda do Governo.
A única forma de o Governo cair antes teria de ser entre o sexto e o nono mês após a eleição, entre Abril e Julho. Isto porque a Assembleia não pode ser dissolvida nos primeiros seis meses de funcionamento, assim como o Presidente não pode dissolvê-la no último semestre do seu mandato. Um calendário que, a ser usado, significaria uma derrota política do PS. Com um resultado pouco superior a um terço dos votos, aos socialistas não interessa ir a votos a curto prazo, pois isso poderia significar a sua erosão absoluta.
Assim, não é expectável que o PS venha a apresentar um voto de confiança. Como disse um dirigente socialista ao PÚBLICO: "Não vale a pena provocar. Quem entrar à leão não será compreendido." E também ninguém espera que qualquer partido da oposição apresente uma moção de censura ao programa de governo, que não é votado. "Os partidos da oposição vão ter de decidir se querem ser parte da solução ou parte do problema", afirmava ontem José Junqueiro na TSF. E o que o país quer, acrescentou ao PÚBLICO, é a resolução dos seus problemas. "Isto remete para uma cooperação institucional parlamentar. E negociar significa ceder e convergir", sublinhou. Resta saber com quem, sobretudo na aprovação do Orçamento do Estado.
Fonte: Público