A máquina do tempo dos Soaked Lamb


Se Tom Waits, Django Reinhardt e Johnny Cash alguma vez se tivessem cruzado, o resultado final dessa parceria não teria sido muito diferente da sonoridade dos Soaked Lamb, projecto lisboeta que acaba de editar o segundo disco, "Hats & chairs".

Da atracção pelo imaginário musical e cinematográfico das décadas de 30 e 40 nasceu o sexteto, que deve o seu nome ao ensopado de borrego ("soaked lamb" em Inglês) com que costumavam terminar os longos ensaios soalheiros nas tardes de fim-de-semana.

Pela influência de sonoridades como o blues, jazz, swing e vaudeville - que remetem qualquer ouvinte para um 'cabaret' berlinense no período que precedeu a II Guerra Mundial -, dir-se-ia que todos os membros cresceram a ouvir a música dos respectivos avós, tocando a cores músicas que soam a preto e branco.

Multi-instrumentista e artista multifacetado (é também escritor, ilustrador e designer), Afonso Cruz nada tem a opor aos que porventura caírem na tentação de rotular os Soaked Lamb como "passadistas" e "nostálgicos", mas adverte que o grupo não age por simples mimetismo, reproduzindo mecanicamente temas de outras épocas. "Colocamos sempre elementos contemporâneos no que fazemos, tentando manter o glamour que caracterizava esses períodos", defende.

O porta-voz dos Soaked Lamb não tem pejo em revelar que a identificação que sente com a música produzida na actualidade é reduzida e enuncia quais considera serem as grandes vantagens da criação artística da primeira metade do século passado: "Hoje, há menos composição e mais virtuosismo dos músicos, enquanto, anteriormente, existia mais preocupação com a construção de músicas. Basta ver que os standards de jazz foram quase todos compostos nessa altura. Essas coisas do passado não se perdem".

Definitivamente, a ideia de que "o passado está morto e enterrado" não encontra em Afonso Cruz um apoiante. "Não há motivos nenhuns para desprezarmos as memórias. Se perduram é porque são bem feitas", explica.

Depois do registo assumidamente caseiro do disco inaugural, "Homemade blues", composto maioritariamente por versões, o colectivo procurou fazer de "Hats & chairs" a sua emancipação criativa: todos os 13 temas incluídos são originais.

Ponto comum em ambos os registos é a exploração sonora. Dito de outro modo: à semelhança de Tom Waits, artista que consegue o pleno nos gostos musicais dos seis membros, também os Soaked Lamb entendem que qualquer instrumento, por mais improvável que seja, tem cabimento se a atmosfera do disco assim o justificar. Se no anterior Afonso Cruz tocava cavaquinho, em "Hats & chairs", há sons de ukelele, kantele ou banjos.

Não é apenas na música que se expressa a paixão nostálgica dos Soaked Lamb. Das roupas aos adereços, passando pelos cartazes e pelo site, "há uma coerência em redor da nossa imagem que fazemos questão de transmitir", diz Afonso Cruz, que rejeita com veemência o carácter minoritário do projecto: "Costumava acreditar que este era um grupo para nichos, mas, depois de ver reacções entusiásticas durante os concertos de públicos tão diferentes, percebi que podemos chegar a mais gente".

Apesar da crescente notoriedade dos Soaked Lamb - em "Hats & chairs", colaboram músicos como Tó Trips -, a música não é a ocupação profissional permanente de nenhum dos membros. Esse pormenor confere ao projecto "uma independência criativa que gostávamos que nos acompanhasse pelos anos fora, qualquer que seja o nosso percurso", diz Afonso Cruz.




Fonte: JN

POSTED BY Joana Vieira
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